terça-feira, 3 de outubro de 2017

Parábolas ou mistérios do Reino de Deus? - Parte II

Matheus Viana

Conforme Jesus afirmou, Seu propósito em contar a parábola não foi um artifício lúdico para facilitar o entendimento da multidão de ouvintes, como afirmam alguns. Foi, pelo contrário, de que não compreendesse: “Por esta razão eu lhes falo por parábolas: ‘Porque vendo, eles não veem e, ouvindo, não ouvem nem entendem’” (Evangelho segundo Mateus 13:13). Jesus, por sua vez, não falou de Si mesmo, ainda que possuísse (e possui) toda a autoridade para falar (Evangelho segundo Mateus 28:18). Mas evocou a profecia feita por Isaías: “Neles se cumpre a profecia de Isaías: ‘Ainda que estejam sempre ouvindo, vocês nunca entenderão; ainda que estejam sempre vendo, jamais perceberão. Pois o coração deste povo tornou-se insensível; de má vontade ouviram com os seus ouvidos e fecharam os seus olhos...’” (Vs. 14).
    
A percepção plena da realidade, em todos os seus âmbitos, bem como o entendimento dela são desdobramentos do reconhecimento e exercício do pleno Senhorio de Jesus Cristo sobre tudo e todos. A multidão - assim como a cúpula religiosa judaica, cujos membros faziam parte dela - não reconhecia Jesus como soberano e único SENHOR, conforme afirma o Shemá. A maneira como aquelas pessoas pensavam, sentiam e agiam denunciava tal carência. Sem o conhecimento de quem Cristo é, não é possível conhecer quem somos e como é a realidade a qual estamos inseridos, em todos os seus níveis. Pois eles são fundamentados nos absolutos que Ele estabeleceu na criação (Colossenses 1:15-17).
    
Assim, o empirismo científico não é suficiente, bem como o racionalismo naturalista também não é. O subjetivismo pós-moderno, por sua vez, não apenas é insuficiente para interpretá-la, como cria uma realidade paralela e reduzida. Antes de elucidar sobre a semente que germinou e produziu bons frutos, Jesus descreveu três situações distintas. A primeira é a que chamo de periférica, de caráter sensitivo (empírico). A segunda é a superficial, de caráter sentimental (emocional). A terceira é a materialista, de caráter secular (racionalista). Embora distintos, estão relacionados de forma coesa.
    
O fato de Jesus usar a linguagem da semente na terra é alicerçado no princípio do culto racional, que consiste na tríade cultivo-culto-cultura. O ser humano foi formado do pó da terra e recebeu do fôlego de vida de Deus (Gênesis 2:7). Somos, portanto, o cultivo de Deus. Seu propósito para nós consiste em, através do nosso cultivo, cultuarmos a Ele e desenvolvermos Sua cultura sobre toda a criação (Isaías 11:9). Processo chamado de mordomia, conforme elucidado por mim no livro Culto racional. Devemos compreender criação como a realidade que nos permeia em todos os seus âmbitos. Assim, somos a primeira terra que deve receber o cultivo da semente do Evangelho do Reino, mas não a única.
    
Toda a criação sofreu um intenso processo de degradação por conta da depravação oriunda do pecado original (Gênesis 3:17). Tal fato fez com que vários obstáculos surgissem, impedindo o florescer desta preciosa e soberana semente. A primeira situação elucidada por Jesus foi a parte da semente que caiu à beira do caminho. Aqui surgem algumas indagações: À beira de qual caminho? Em qual caminho temos trilhado? Os fatos falam por si. É nítida, na abordagem de Jesus, a existência de dois caminhos: um trilhado pela multidão e outro pelos discípulos. O trilhado pela multidão é o que conduz às bênçãos que Jesus pode oferecer. O outro conduz ao próprio Cristo. Quando Jesus afirmou ser O Caminho (Evangelho segundo João 14:6), não se referiu meramente a uma rota – externa a Ele - que iria mostrar. Mas afirmou que Ele é o próprio Caminho.
     
O salmo 18:30 diz: “O caminho de Deus é perfeito”. O texto hebraico, transliterado, afirma: “HaEl tamiyn darko (derekh) imerat”. A tradução literal deste texto é “O Deus caminho perfeito é”. Para que ele tenha sentido ao leitor de língua portuguesa, os tradutores utilizaram das seguintes formas: “O caminho de Deus é perfeito” e “Deus, cujo caminho é perfeito”. Mas, para os judeus, não é necessário o acréscimo de nenhum artifício para dar sentido a esta afirmação. O sentido para eles é claro e definitivo: O Deus é o caminho perfeito. Jesus, ao fazer tal afirmação, estava declarando que Ele é a plena personificação do derekh tamiyn. Por isso Seus discípulos ficaram conhecidos como a seita do Caminho. E não há outra forma de se achegar a Ele sem a obra do Espírito Santo em nós (Evangelho segundo João 16:8). E esta, por sua vez, é resultado de nos submetermos à Sua cruz. Pois, para que o Espírito Santo viesse sobre os discípulos, era necessário que Jesus primeiramente fosse crucificado (Cf. Evangelho segundo João 15:26).
    
Assim, seguir e viver um evangelho desprovido de cruz é estar à beira do caminho. Considerar, equivocadamente, a dicotomia vida secular/vida espiritual é estar à beira do caminho. Interpretar o Evangelho pelas lentes do secularismo, em suas várias nuanças, é estar à beira do caminho. Por isso Jesus afirmou, ao explicar a mensagem íntegra de seu ensinamento: “Quando alguém ouve a mensagem do Reino e não a entende, o Maligno vem e arranca o que foi semeado...” (Evangelho segundo Mateus 13:18 – Ênfases acrescentadas).
    

Ouvir e não entender. Conforme vimos anteriormente, não entenderemos a mensagem do Reino, de forma íntegra, sem submetermos nosso modo de pensar a Ele (II Coríntios 10:5). Ou seja, não devemos submeter a Ele apenas o nosso aspecto sensitivo, mas também o racional (Tiago 1:22). Isso, claro, como desdobramento de nosso comprometimento espiritual (coração). Eis o ‘x’ da questão. Qual é a epistemologia que fundamenta o pensamento do evangelicalismo moderno?

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