sábado, 21 de novembro de 2015

O que ensinamos?



Matheus Viana



“Você, porém, fale o que está de acordo com a sã doutrina.” (Tito 2:1).

Paulo caracterizou, com muita propriedade, o caráter do ensino apostólico em sua carta a Tito. Assim como fez com as outras que produziu, começou descrevendo as características do chamado que recebeu de Deus: “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo para levar os eleitos à fé e ao conhecimento da verdade que conduz à piedade.” (Tito 1:1 – Ênfase acrescentada).


Fé é algo inerente ao ser humano. Por mais que muitos neguem, todos a possuem. Mas a fé que nos religa a Deus deve ter o objeto correto: Cristo (Hebreus 12:3). E conectar a fé, que Willian James chamou de hipótese funcional, a Cristo é possível apenas pela pregação do Evangelho (Romanos 10:17). É exatamente este o fato que o apóstolo Paulo descreveu a Tito. No entanto, a fé cristã é renovada na medida em que Jesus Cristo é revelado, através das Escrituras, de modo a ser conhecido (Filipenses 3:7-10). Tal conhecimento, por sua vez, produz piedade.


Para compreendermos o que é piedade, devemos analisar o que é impiedade. No Antigo Testamento, há três expressões hebraicas traduzidas como pecado: Hátá, Pesa e Âwâ – errar o alvo, rebeldia e iniquidade/impiedade, respectivamente[1]. Impiedade, contudo, é o ser humano em seu estado de completa separação de Deus (Romanos 3:23, Efésios 2:1) e, por isso, incapaz de obedecê-Lo. É o estado que o salmista descreveu quando afirmou: “Em iniquidade (âwâ) fui formado, e em pecado (hátá) me concebeu minha mãe.” (Salmos 51:5). Por estar separado de Deus, o ser humano está em franca degradação (Romanos 7:18-19, Colossenses 3:5). Ou seja, completamente incapaz de exercer piedade.

Piedade é, portanto, o nosso pensar, sentir e agir completamente dependentes e submissos a Deus. É o resultado de nosso religar – também chamado de regeneração - com Ele. Calvino afirmou: “Chamo piedade à reverência associada com o amor de Deus que nos faculta o conhecimento de seus benefícios. Pois, até que os homens sintam que tudo devem a Deus, que são assistidos por seu paternal cuidado, que é ele o autor de todas as coisas boas, daí nada se deve buscar fora dele, jamais se lhe sujeitarão em obediência voluntária. Mais ainda: a não ser que ponham nele sua plena felicidade, verdadeiramente e de coração nunca se lhe renderão por inteiro.”[2] Mas, conforme Paulo orientou, não há piedade sem conhecimento da verdade: Jesus. Não há conhecimento de Jesus sem fé. E não há fé, e tudo o que ela proporciona, sem ensino das Escrituras.
    

Após Paulo apresentar suas credenciais, revelou suas intenções em relação à permanência de Tito em Creta: “A razão de tê-lo deixado em Creta foi para que você pusesse em ordem o que ainda faltava e constituísse presbíteros em cada cidade, como eu o instruí.” (Tito 1:5). Ordem é o elemento que gera outros elementos necessários para uma sociedade sã. Embora seja conflitante com a realidade do país que representa, vemos tal fato expresso na bandeira brasileira: Ordem e Progresso.

    

Contudo, não haverá ordem no mundo se ela não vigorar primeiramente sobre a Igreja, por ser o alicerce do Reino de Deus sobre a terra (Evangelho segundo Mateus 16:16-19). Esta ordem, no entanto, obedece o padrão que Deus estabeleceu a Adão: exercer na terra o mesmo governo que Deus exerce nos céus (Salmos 115:16).
    

Esta ordem não é uma mera organização humana. A Igreja exerceu tal caráter desde o Édito de Milão estabelecido pelo imperador romano Constantino (313 d. C.). Mas sabemos que isso degringolou numa teocracia abusiva que fez a Igreja, séculos mais tarde, se distanciar do caráter de Cristo. Desde a Reforma Protestante, vários líderes tentam substituir teocracia por teonomia, a fim de que a Igreja volte a ser o que Cristo deseja. Mas o êxito ainda não foi alcançado. 
    

Ao lermos sobre a restauração de Jerusalém, vemos que ela só aconteceu plenamente quando o Templo foi reconstruído, a Lei ensinada e o culto reestabelecido por Esdras. Mas o que causou a queda de Jerusalém e a destruição do Templo? Ao lermos o relato (II Reis 25), vemos que a primeira instituição destruída por Nabucodonosor foi o Templo: “No sétimo dia do quinto mês do décimo nono ano do reinado de Nabucodonosor, rei da Babilônia, Nebuzaradã, comandante da guarda imperial, conselheiro do rei da Babilônia, foi a Jerusalém. Incendiou o Templo do SENHOR, o palácio real, todas as casas de Jerusalém e todos os edifícios importantes. Todo o exército babilônio que acompanhava Nebuzaradã derrubou os muros de Jerusalém.” (II Reis 25:8-9 – Ênfases acrescentadas). 
    

A queda de Jerusalém nos revela o processo da degradação. O “Templo do SENHOR” era uma representação da Presença de Deus em meio ao povo. O “palácio real” era a instituição da monarquia judaica (governo), o que representa a Teonomia. As “casas de Jerusalém” representavam as famílias, e “todos os edifícios importantes” representam a sociedade de forma geral. Portanto, temos o seguinte processo de degradação: 1 - Templo (Presença de Deus); 2 - Governo (Teonomia); 3 - Família (alicerce social) e, por fim, o que chamamos de sociedade. 
   

Este foi o mesmo processo que ocorreu no Éden. O pecado afastou o ser humano de Seu Criador, pois se escondeu Dele (Gênesis 3:10). Como consequência, o governo do homem sobre a criação foi comprometido. A família deixou de viver conforme a harmonia de outrora, pois Eva, exercendo uma liderança ilícita, seduziu Adão a desobedecer. O que introduziu a morte (também física) no mundo (Romanos 5:12). Assim, Caim assassinou o irmão mais novo, Abel, por ter inveja dele. 

Vimos que Manassés perverteu o culto no Templo, edificando nele altares a deuses estranhos, cultuados por outras culturas. Este senso religioso foi demonstrado em sua forma de governar e também resultou na deturpação de sua família. Pois ele “chegou a queimar o próprio filho em sacrifício.” (II Reis 21:6). Você teria coragem? 

Quando deixamos nossos filhos suscetíveis a todo tipo de doutrinação de valores e conceitos destituídos da Vontade de Deus, estamos fazendo o mesmo. Pois o intento do sistema mundano – por que não dizer babilônico? – é destruí-los. Karl Marx afirmou em seu Manifesto Comunista: "As classes e as raças, fracas demais para conduzir as novas condições da vida, devem deixar de existir. Elas devem perecer no holocausto revolucionário". Em outras palavras, quem não se conformar à nova ordem em vigência deve ser extinto. O que é esta nova ordem? Sem qualquer resquício de conspiração, é o sistema elaborado por seres humanos autônomos em relação a Deus que visa estabelecer uma sociedade “à imagem e semelhança deles”. 

O mundo caótico em que vivemos é resultado deste ideal. A sociedade atual – que para alguns é moderna e para outros pós-moderna – é produto do humanismo renascentista dos séculos XIV à XVI, da revolução científica do século XVII e do consequente iluminismo do XVIII com seus “filhos”: positivismo, idealismo alemão (dialética hegeliana), materialismo marxista e existencialismo. A autonomia neles pretendida e disseminada é refletida nos governos e suas leis que corroboram, sobretudo, para a degradação familiar. Por serem a base da sociedade, famílias degradadas culminam no caos social. Um verdadeiro efeito cascata.

Jerusalém é a figura do Reino de Deus na terra (Romanos 16:20), e o Templo é a figura da Igreja de Cristo (Evangelho segundo Mateus 16:18). O sistema mundano (que busca a autonomia absoluta em relação a Deus) busca destruí-los. Sim, o primeiro alvo de destruição é a Igreja. E, convenhamos, ele tem alcançado êxito. O primeiro passo para tal destruição é a deturpação de seu alicerce. O alicerce da Igreja é Cristo (Evangelho segundo Mateus 16:18, Efésios 2:20-22). Portanto, Ele tem sido preterido e, infelizmente, substituído.




[1] SAYÃO, Luiz. O problema do mal no Antigo Testamento: O caso de Habacuque. – São Paulo. Hagnos, 2012. p. 61.
[2] CALVINO, João. As institutas ou tratado da religião cristã. Tomo I, Livro I; tradução de Carlos Eduardo de Oliveira. — São Paulo: Editora UNESP, 2008. p. 51.

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