segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Peniel diário - Parte II: A luta

Matheus Viana

Em sua solitude, Jacó foi abordado por um homem que lutou com ele até o amanhecer (Gênesis 32:24). O verbo hebraico traduzido como lutou é aveq, que é relacionado com os termos abah e abeh. De acordo com o dicionário Strong, o termo abah é usado no sentido de estar disposto; já abeh é usado para súplica ou desejo. Portanto, o embate entre ambos tem haver com disposição e desejo. Jacó tinha o desejo de atravessar o lugar em que estava e também disposição para cumprí-lo. Aquele homem tinha o desejo de transformar Jacó e também estava disposto a cumprí-lo. O confronto foi inevitável.

Não há como refletir sobre este relato e não evocar as elucidações do apóstolo Paulo aos romanos sobre a realidade que o afligia (Romanos 7:18-25). Ele descreveu o conflito que existia em seu interior. Ele existe na vida dos regenerados. E não dura apenas uma madrugada. Seu cerne é a vontade humana. Jacó tinha desejo e disposição particulares. O homem que o encontrou também.

Não existe solitude sem renúncia, sem resignação. A solidão é resultado de nosso egoísmo, a solitude não. Na solitude estamos sozinhos, mas não solitários. Estamos a sós com Deus. Acredite! Seu desejo e disposição não mudam: a nossa transformação à imagem e semelhança de Seu Filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos (Romanos 8:29, Cf. Efésios 4:13). E no processo desta transformação, a renúncia às nossas vontades é indispensável (Cf. Evangelho segundo Mateus 16:24).

Aquele homem não desistiria de Seu desejo. Ao ver que não poderia dominar Jacó, tocou sua coxa de modo que a deslocou (Gênesis 32:25). Coxa, nas Escrituras, fala de aliança e autoridade. Em idade avançada, Abraão ordenou ao seu servo: “Ponha a mão debaixo da minha coxa e jure pelo SENHOR, o Deus dos céus e o Deus da terra, que não buscará mulher para meu filho entre as filhas dos cananeus, no meio dos quais estou vivendo, mas irá à minha terra e buscará entre os meus parentes uma mulher para meu filho Isaque.” (Gênesis 24:2-4).

Este servo, além de ser o mais antigo, era responsável por todos os bens de Abraão. Era um mordomo. Mordomia é um aspecto fundamental do mandato cultural de Deus a nós. Conforme afirmei no livro Culto racional:

“Atrelado à mordomia está a relação do ser humano com a criação e também com o Criador. Aliás, a relação com a criação está fundamentada na relação com o Criador. Uma não é possível sem a outra. Por isso Deus formou o homem à Sua imagem (relação com o Criador), a fim de exercer Sua semelhança (relação com a criação)”.

Aliança e autoridade são elementos coesos. Exercemos a autoridade de Deus sobre a criação na medida em que vivemos em aliança com o Criador. Era esta a lição que Aquele homem queria ensinar a Jacó ao tocar-lhe a coxa por ser a ética que estabeleceu ao ser humano no princípio (Gênesis 2:15). Queria fazer dele Seu mordomo. Tal desejo repousa sobre nós desde a criação. A disposição também. Ambos O levaram a entregar a própria vida para cumpri-los. Mas, para que isso ocorra, a luta é intensa.

Precisamos ser marcados por Ele. Foi neste mote que o apóstolo Paulo elucidou aos cristãos em Corínto: “Trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também nos nossos corpos.” (II Coríntios 4:10). A palavra traduzida como corpo neste trecho é soma, que significa a demonstração exterior de algo contido no interior. Esta é a marca que Jesus quer fazer em nosso coração (Cf. Romanos 2:29).

Ser mordomo é, antes de tudo, ser servo (Evangelho segundo Mateus 20:26-28). Aqui reside a raiz do problema. Temos extrema dificuldade em servir. Queremos que todas as coisas gravitem em nossa órbita. Por isso Paulo insistiu em considerarmos os outros como superiores a nós (Filipenses 2:3). A proposta indecente de Satanás feita a Jesus para que Ele se prostrasse diante dele ressoa em nosso coração: queremos ser objetos de louvor e adoração. Foi isso que o apóstolo Paulo abordou em sua explanação aos romanos: “... trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal...” (Romanos 1:23). Contudo, devemos contrariar este desejo e praticarmos a ordenança que Jesus bradou a Satanás: “Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto.” (Evangelho segundo Mateus 4:10).

O próprio Jacó, próximo de sua morte, propôs ao seu filho José: “Se quer agradar-me, ponha a mão debaixo da minha coxa e prometa que será bondoso e fiel comigo.” (Gênesis 47:29). Ao ter uma visão de Cristo glorificado, em Sua parousia (quando Ele retornará para reinar de forma definitiva), João registrou: “Em seu manto e em sua coxa está escrito: Rei dos reis, Senhor dos senhores.” (Apocalipse 19:16). O fato do manto de Jesus estar marcado representa o cumprimento pleno da profecia de que Ele é o Rei, o descendente de Davi, cujo trono será estabelecido para sempre (Cf. II Samuel 7:16). E a coxa marcada representa a autoridade que Ele exercerá (Cf. Isaías 11:3, Evangelho segundo Mateus 28:18, Atos 2:36, Filipenses 2:8-10).

Por isso, durante Seu ministério terreno, Jesus ensinou a seguinte oração: “Pai nosso que estás nos céus. Santificado seja o seu nome. Venha a nós o teu reino. Seja feita a sua vontade, assim na terra como nos céus.” (Evangelho segundo Mateus 6:9-10). Não há santificação sem entronização. Por sua vez, entronização consiste em plena submissão Ao que está assentado no trono.

Os serafins que o profeta Isaías viu estavam ao redor do Trono de Deus dizendo: “Santo, Santo, Santo é o SENHOR, toda a terra está cheia de sua glória.” (Isaías 6:3). Os quatro seres viventes vistos por João também (Apocalipse 4:8). Nossa santificação é resultado da entronização de Deus em nós. Logo, santificar o nome do SENHOR consiste em nos submetermos, de todo nosso coração, alma, intelecto e forças, à Sua vontade (Cf. Evangelho segundo Marcos 12:28-30). A manifestação do Reino de Deus em nós, e sobre toda a terra, é desdobramento desta santificação. Esta é a síntese da oração que Jesus ensinou. Ela é resultado da luta que temos com Deus diariamente.


Continua...

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