terça-feira, 22 de agosto de 2017

Lógica milagrosa

Matheus Viana

“Se a intelectualidade cristã não nos fazer voltar os olhos para a soberania de Deus no poder do Espírito, pela fé na graça de Cristo, ela será tão vã quanto qualquer outra filosofia materialista”.

Esta frase foi publicada, recentemente, em uma rede social. O autor acredita – pois o próprio ato de publicar atesta tal fato – que realizou uma apologética cristã, fruto de uma devoção de mesmo caráter. Mas esta frase não é uma apologética porque é desprovida de elementos lógicos básicos. Caso clássico de técnica do espantalho.

Uma “intelectualidade cristã” que não faça o que o referido autor citou não pode ser considerada cristã. Ela sequer existe. É questão ontológica pura e simples. Seria o mesmo que afirmar que uma porção de água que não seja composta de moléculas formadas por átomos de hidrogênio e de oxigênio não pode ser considerada uma porção de água. Sem tais moléculas, o elemento água simplesmente não existe.

Ao ler a afirmação aqui analisada, notei, de súbito, que estava diante de uma afirmação que apregoa e analisa o que não existe como se existisse. É o mesmo equívoco que fundamenta a mentalidade daqueles que acham possível viver um cristianismo sem Cristo. Toda crítica a um cristianismo sem Cristo não tem sentido por pretender criticar o que não existe. O que temos visto em atividade em muitas denominações é uma caricatura, simulacro, qualquer outra coisa, menos cristianismo.

Vemos aqui um caso semelhante ao que Jesus certa vez enfrentou (Evangelho segundo Marcos 7:1-7). Os fariseus tratavam a ética criada pelo movimento rabínico que interpretava a Lei mosaica ao seu modo como se fossem a Lei de Deus. Seguiam algo que não era como se fosse. A Lei de Deus, manipulada e deturpada por homens, deixa de ser de Deus. Foi o que Jesus disse (Evangelho segundo Marcos 7:6-7).

Um exemplo marcante é a expressão milagre. Alguns aplicam a ela um significado reduzido. Pois consideram milagre apenas a ocorrência de sinais e prodígios. Esquecem de que milagre, de acordo com o que as Escrituras ensinam, é toda e qualquer – o pleonasmo é proposital – ação de Deus sobre a criação.

Certa vez ouvi uma pessoa dizendo que milagre é Deus operando fora das leis naturais. Não, não é. Explico por quê. Todas as leis foram estabelecidas por Deus. O homem e mesmo o diabo não têm poder de criar leis. O máximo que eles podem é deturpar as Leis de Deus. Deturpar não é criar. Se todas as leis foram criadas e estabelecidas por Deus, mesmo as que foram corrompidas como consequência do pecado do homem (Cf. Gênesis 3:17), Lhe são naturais. Todavia, embora um milagre seja considerado um acontecimento sobrenatural, ele é completamente natural para Deus.

Assim, toda ação de Deus é um milagre. Logo, não existe ação de Deus que não seja milagrosa. A criação - incluindo eu e você – é resultado da ação de Deus. Jesus ensinava e realizava sinais e prodígios. Resumindo, fazia milagres. O ato de ensinar era tão milagroso quanto as outras obras espetaculares que Ele realizou. Em Marcos 2, quando curou um paralítico, Jesus realizou dois milagres: perdoou os pecados do homem e restaurou suas pernas. Não é o perdão de Deus sobre nossos pecados um milagre? Tanto é que os próprios fariseus consideravam tal fato como sendo de competência exclusiva de Deus (Evangelho segundo Marcos 2:8-11).

Mas alguns, por não entenderem este princípio elementar, cometem o erro primário de classificar as ações de Deus como milagrosas e não milagrosas. O fato de acordarmos todas as manhãs é tão milagroso quanto ver um morto ressuscitado ou alguém curado, instantaneamente, de uma enfermidade grave. A racionalidade que nos foi concedida para entendermos as Escrituras que testificam de Jesus (Evangelho segundo João 5:39), para que possamos conhecê-Lo e imitá-Lo, é tão milagroso quanto. Assim, há quem diga que a racionalidade humana não é um milagre. Eis o mesmo princípio. O fato de um ser humano, criado por Deus, pensar é um milagre. A questão é o que fazemos com ele.

A Igreja moderna, como consequência de não se atentar a este caráter da expressão milagre, valoriza apenas o “extraordinário”. Com isso, o ensino da doutrina cristã, visando uma conduta ortodoxa, é deixada de lado. São cada vez mais comuns cultos onde não há pregação da Palavra, mas apenas orações pelos milagres sobrenaturais. Isto não é cristianismo.

Há muito mais a ser dito. Mas paro por aqui, antes que eu seja acusado - ainda mais do que já sou – de “racionalista antimilagreiro”. Quem faz tal acusação, contudo, ignora o fato de ser um milagre o fato de eu ter escrito este texto. Na verdade, o simples fato de estar vivo é um... milagre. Se você leu e entendeu este texto, acredite, foi um milagre.

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