segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Parábola ou mistérios do Reino de Deus? - Parte I

Matheus Viana

A parábola do semeador, contada por Jesus há milênios, é a descrição da realidade vocacional dos cristãos. De acordo com Ele, somos chamados a cultivar a semente do Evangelho do Reino de Deus. No entanto, esta não é uma tarefa simples. Há sobre ela alguns elementos os quais precisamos conhecer para seu êxito.
    
O primeiro é o fato de Jesus ter utilizado duas formas para emitir Sua mensagem. Cada uma delas com um público específico como alvo. Para a grande multidão que O rodeava, Jesus contou uma parábola, método comum entre os mestres judeus, também chamados de rabinos. Jesus era um rabino. E como tal, tinha seguidores (discípulos), conhecidos como talmidim. Para eles, a forma utilizada foi a descrição integral da mensagem.
    
Durante Seu ministério terreno, Jesus foi seguido, por muitas vezes, pelas multidões. Contudo, uma característica marcante de Seu legado foi a busca por discípulos, pessoas que não apenas O seguiam pelo que pudesse oferecer, mas pelo que era (e É): O Messias, Filho de Deus, o Deus encarnado. Nesta passagem, tal distinção é notória. Mas algo que chama atenção é que os discípulos, diferentemente da multidão, não ficaram satisfeitos com a elucidação de Jesus, o que os levou a indagarem-Lhe: “Os discípulos aproximaram: ‘Por que fala ao povo por parábolas?’ (Evangelho segundo Mateus 13:10). A resposta de Jesus revelou o motivo, que escancarou a distinção: “Ele respondeu: ‘A vocês é dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos céus, mas a eles não’” (Vs. 11).
    
Parábolas eram histórias fictícias usadas como metáforas pelos rabinos para descreverem traços da realidade. E os discípulos, por serem formados na matriz religiosa judaica, sabiam disso. Tal fato faz brotar a questão: O que é o Evangelho do Reino de Deus para você? A resposta revela quem, de fato, és em relação a Jesus.
    
Muitos que se denominam cristãos são devotos a um “evangelho” que contempla apenas a vitória de Cristo e as bênçãos dela provenientes. Um reducionismo que dá origem a uma “realidade” paralela. Sim, uma espécie de esquizofrenia. Pessoas estão entorpecidas pela perniciosa “teologia” da prosperidade. Fato que as alienam no tocante à cruz que o próprio Jesus estabeleceu como elemento fundamental para o exercício de Seu discipulado – leia-se cristianismo: “Aquele que quiser me seguir, negue-se a si mesmo, tome cada um a sua cruz e siga-me” (Evangelho segundo Mateus 16:24).
    
A realidade, portanto, é nua e crua: Não há cristianismo sem Cristo. Não há como viver de acordo com o Seu legado sem ser Seu discípulo. Não há discipulado cristão sem cruz, sem renúncia, sem resignação. O apóstolo Paulo sintetizou, de forma brilhante, todos estes pontos ao preconizar: “Eu prego Cristo, e este crucificado” (I Coríntios 2:2). Qualquer proposta contrária é... Parábola motivacional, comum em muitos púlpitos.
    
O motivo de tal disseminação é que seus ocupantes não querem formar discípulos de Jesus. Querem atrair multidões que encham seus templos para que este inchaço demográfico transforme sua denominação em algo lucrativo e, ao mesmo tempo, dê a ela visibilidade – leia-se fama. É errado uma denominação cristã ter muitos membros? Não, desde que sejam discípulos, e não mera multidão.
    
Como professor da faixa etária infanto-juvenil, lido com alguns alunos que, mesmo professando Jesus Cristo com seus lábios, demonstram pela forma como pensam, sentem e agem que a conduta de vida que levam é totalmente alienada ao Evangelho de Cristo. O veem apenas como um subterfúgio que alimenta e satisfaz a religiosidade ególatra que lhes é peculiar. Não estão dispostos a ultrapassar esta embriaguez subjetiva rumo à sobriedade objetiva do Evangelho Pleno a fim de conhecerem e viverem a realidade integral que Cristo propõe ao ser humano. Interpretam parábolas como se fossem a realidade total do Evangelho.
    
Consequentemente, a ortodoxia cristã está sendo conformada aos preceitos modernos, ainda que frontalmente contrários ao caráter e essência do Evangelho de Cristo. Uma “pequena” demonstração disto é o fato de que adereços da cultura pop – como “super-heróis”, dinossauros, picadeiros circenses, “cultos” chamados de “baladas gospel” - são transformados, à exaustão, em elementos de culto ao SENHOR. E tudo isso, na maioria das vezes, trata-se de manifestações sinceras de devoção, o que é pior e denuncia o nível do engano presente em muitos altares.
    
Além da profanação do culto, esta conduta transforma Jesus em um mero pop star, deturpando Sua imagem e reduzindo Sua identidade. Conforme diagnosticou o historiador e sociólogo Leandro Karnal, sobre o que chamou de customização da fé: “O Jesus criado pela sociedade atual não transforma as pessoas, apenas concede seus desejos”. O apóstolo Paulo falou sobre isso muito antes e com mais propriedade: “Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo os seus próprios desejos” (II Timóteo 4:3). Esta sã doutrina é o mistério do Evangelho do Reino que apenas os discípulos de Jesus Cristo entendem.
     
O “Jesus” usado como metáfora para justificar e satisfazer os desejos humanos, criados por uma sociedade líquida, conforme afirmou Zygmund Baumam, é uma realidade completamente distorcida em relação ao que Ele verdadeiramente É. Ela satisfaz as multidões. Mas não os discípulos que, comparados à grande multidão, são poucos. Embora em menor número, não se conformam a esta parábola. Pois a eles são dados, conforme o próprio Jesus afirmou, a capacidade de conhecer os mistérios do Reino de Deus.
    
Discipulado começa com o SENHORIO – o maiúsculo é proposital – de Jesus Cristo. Para a multidão, que se satisfaz com a parábola, basta o “Jesus” milagreiro, o “Jesus” coaching, o “Jesus” psicólogo, o “Jesus” administrador, entre outros. O “Jesus” que mais se aproxima de SENHOR é o que é considerado como líder. Contudo, não se engane! Este é usado apenas como modelo de como devemos liderar as pessoas em um caráter e estruturas corporativistas. Pois o organograma utilizado é baseado na hierarquia vertical, e não na horizontal preconizada pelas Escrituras, tendo Jesus como O Cabeça.
    
O “Jesus” que a multidão cultua não é O Eterno e Soberano Criador dos céus e da terra (Evangelho segundo João 1:1-3, Colossenses 1:15-17), O Cristo, Filho de Deus Altíssimo (Evangelho segundo Mateus 16:18), Deus que se fez homem (Evangelho segundo João 1:14, 14:9) e É revelado pelas Escrituras (5:39); mas várias faces de um “Gezuis” imaginário que é conformado aos anseios das pessoas que formam a multidão.

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