quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Senso perfeito

Matheus Viana

Não existe perfeição longe de Deus. A perfeição refletida na natureza se perdeu por conta do ser humano cometer a insanidade de buscá-la à revelia de Deus (Cf. Gênesis 3:17). A beleza que encontramos hoje na natureza, que é suficiente para nos deixar atônitos, é uma pálida demonstração da perfeição do Criador.

O ser humano cobiçou e comeu do fruto ilícito por querer obter o conhecimento que não lhe era devido e, consequentemente, ser como Deus. Isso mesmo: ele queria ser como somente Deus é: Perfeito. A partir de então, o desejo se transformou em necessidade. Por isso nos esforçamos para supri-la.

As academias estão cada vez mais lotadas de pessoas ávidas para alcançarem o “corpo perfeito”. Vemos tal necessidade se manifestar nas várias áreas da vida, como por exemplo, nas artes e nos esportes. Há os que dizem - principalmente os darwinistas, baseados em uma cosmovisão naturalista/materialista - que ela é uma construção social. Se for, em que momento da “evolução” ela começou a ser construída? Onde e quando a necessidade de tal construção se originou? A falta de resposta a tais questões evidencia que tal suposição é equivocada.

A expressão usada no Novo Testamento Bíblico, traduzida como perfeito, é teleion, que pode também ser traduzida como completo. Perfeito também significa ser completo. Mas isso não significa que ser perfeito é apenas estar completo. Perfeição é a beleza que não é apenas a maior entre todas, mas a que serve de parâmetro para algo que possua ou alguém que deseja possuir tal característica. Lembrando que perfeição não é apenas um elemento de cunho estético, mas também ético e, sobretudo, de essência.

Conforme afirmou Tomás de Aquino, a necessidade de alcançar tal ideal tem origem em um Ser perfeito, cuja existência é necessária para a existência da perfeição. Não há como não recorrer ao argumento de René Descartes, mesmo desconsiderando todo seu mecanicismo racionalista, de que uma mente que dúvida é imperfeita, pois se duvida é porque não possui todo o conhecimento. Mesmo assim, ela tem a ideia de que a perfeição existe. Baseado nisto, Descartes afirmou que esta ideia não pode ter origem em algo imperfeito, mas apenas em algo perfeito: Deus. Por isso, conforme afirmei no livro Culto racional, Deus indagou a Jó: “Quem deu sabedoria ao coração e entendimento à mente?” (Jó 38:36). Óbvio que Jó sabia a resposta, assim como você também sabe.

Certa vez Deus propôs a Abraão: “Anda na minha presença e seja perfeito.” (Gênesis 17:1). A expressão traduzida por perfeito é tamiym, que significa completo ou íntegro. Esta foi a expressão usada, por exemplo, em Gênesis 6:9: “Noé era um homem justo e íntegro (tamiym) em sua geração. Ele andava com Deus”.

Noé vivia, com sua família, em meio de uma humanidade severamente corrompida. Uma degradação tão intensa que causou a ira de Deus e O levou a sentenciar: “Por causa da perversidade do homem, meu Espírito não contenderá com ele para sempre.” (Gênesis 6:3). A narrativa é clara e detalhada: “O SENHOR viu que a perversidade do homem tinha aumentado na terra e que toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para o mal.” (Gênesis 6:5). Realidade semelhante à descrita por Paulo em sua carta aos romanos (Romanos 1:21-24) e também à nossa.

Noé foi achado íntegro porque, mesmo vivendo em meio de uma geração corrupta, “andava com Deus”. Esta foi a perfeição que Deus propôs a Abraão. Vemos em ambos os casos o princípio de que Presença de Deus e perfeição são indissociáveis. Uma não é possível sem a outra. Assim, temos que concluir que qualquer ideal de perfeição desprovido de Presença de Deus é, além de idolatria, uma ilusão. 

Atrelada à necessidade de alcançar a perfeição está a referência existencial, que é a necessidade de ter como referência algo ou alguém em que você molda sua existência, seja de forma inconsciente ou consciente. Um músico, por exemplo, busca a perfeição musical baseado na performance de outro músico que ele julga possuir tal característica. O mesmo princípio está presente em outras áreas.

O fato de Deus chamar Abraão para andar com Ele e ser íntegro demonstra a veracidade deste princípio. O homem foi formado à imagem e semelhança de Deus. Ele (Deus) foi – e É – o modelo usado na formação humana. Por isso o apóstolo Paulo revelou, em sua carta aos romanos, o propósito de Deus a nós de vivermos conforme a imagem e semelhança de Seu Filho Unigênito, ou seja, termos Ele como nossa referência existencial (Romanos 8:29). Ele é a imagem do Deus invisível (Colossenses 1:15). Assim, Ele é o Ser perfeito, a origem e modelo da perfeição. Por isso o apóstolo Paulo afirmou: “Prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” (Filipenses 3:14). Esta soberana vocação é ser perfeito em Cristo. Algo redundante.

Não há como separar a busca em ser perfeito do motivo que a pavimenta. Por que queremos ser perfeitos? O motivo é demonstrado pelo objeto que utilizamos como referência. Se é Jesus, o Deus encarnado, veremos que uma das características de perfeição é humildade. No entanto, ela não existe sem o reconhecimento do pleno Senhorio de Cristo sobre nós.

Como um erudito judeu, conhecedor destes princípios, o apóstolo Paulo preconizou: “Nós o proclamamos, advertindo e ensinando a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito (teleion) em Cristo.” (Colossenses 1:28). Nosso aperfeiçoamento se dá na medida em que conhecemos o Ser perfeito (Jesus) e nos submetemos a Ele. Tal conhecimento, no entanto, se dá através da advertência e do ensino de Sua Palavra (Evangelho segundo João 5:39). Entra em cena o culto racional. 

Uma vez comprometido o ensino sobre quem Jesus, o Ser perfeito, é; a obtenção do conhecimento da perfeição também se compromete, não indo além da consciência de sua existência. Por isso estamos muito longe de sermos perfeitos, a fim de que o mundo veja Jesus em nós, a esperança da Glória para um mundo corrompido como o que Noé viveu e que Paulo experimentou e relatou, e por isso advertiu: “A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados, não pela sua própria escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra, recebendo a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.” (Romanos 8:19-21).

Por isso, devemos atender a advertência de Jesus: “Sede perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.” (Evangelho segundo Mateus 5:48).

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