domingo, 10 de janeiro de 2016

Peniel diário - Parte I: Solitude



Matheus Viana



O episódio narrado em Gênesis 32:22-32 é bastante conhecido. Jacó seguia sua jornada com a família e bens. Guardadas as devidas proporções, contexto semelhante ao nosso cotidiano. Mas algo inusitado aconteceu e resultou em uma profunda transformação em sua vida. Ele foi precedido por alguns fatos. Analisemos-os antes dos resultados.



O primeiro fato foi o de que Jacó ficou sozinho (Gênesis 32:24). Solitude. Algo incomum na sociedade globalizada em que vivemos. Um estranho paradoxo. O ser humano tem necessidade de relacionamento, conforme preconiza a pirâmide das necessidades humanas elaborada por Abraham Maslow. Mas – isso ele não disse de forma explícita – também tem necessidade de ficar sozinho. Contudo, ficar só é diferente de viver só.



A existência humana é baseada no relacionamento mútuo. Somos oriundos do relacionamento entre um homem e uma mulher. E por mais que alguns tentem, tal fato não será mudado. Schopenhauer afirmou que a vida (essência) humana é vontade por sermos gerados como resultado das vontades de um homem e de uma mulher sintetizadas pelo relacionamento sexual. Desde muito antes dele, todavia, as Escrituras preconizam a necessidade de vivermos em comunhão não apenas na conotação reprodutiva. Trata-se do decreto feito pelo próprio Deus: “Não é bom que o homem esteja (viva) só. Farei-lhe uma auxiliadora que lhe seja idônea.” (Gênesis 2:18). Logo, vida é comunhão.



Mas Jesus, apesar de praticar e ensinar a vida em comunidade, também praticou e ensinou a importância da solitude. Antes de andar sobre as águas, por exemplo, insistiu para que Seus discípulos fossem de barco à Betsaida, despediu a multidão que O seguia e subiu, solitário, um monte para orar (Evangelho segundo Marcos 6:45-46). Ensinando como orar, disse: “Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está em secreto. Então seu Pai, que vê em secreto, o recompensará.” (Evangelho segundo Mateus 6:6).



Atualmente, solitude é visto como sintoma de depressão e, por conseguinte, o alarme de um suicídio potencial. Sim, há casos em que é. Mas eles não anulam a necessidade de ficarmos, por um breve momento, sozinhos de modo a refletirmos sobre nossa vida.



Muitos relacionamentos são desdobramentos de uma personalidade enferma. Pois esta necessidade não anula, por exemplo, o nosso egoísmo. Isso também é um paradoxo complexo! Relacionamos-nos com o intento de satisfazer nossa necessidade. Ou seja, o outro é apenas um mero instrumento de satisfação (realização) pessoal, a primeira necessidade humana de acordo com Maslow. Relacionamento egoísta? Sim. E isso não é apenas possível, mas comumente praticado à exaustão. Inclusive por mim.



A comunhão ensinada pelas Escrituras, na contramão, é pautada no altruísmo, pois tem como referência o próprio Deus que entregou Seu Filho antes da fundação do mundo para redimir todo aquele que Nele crer. A Igreja de Cristo, descrita no livro de Atos, a exercia na íntegra (Atos 2:42-47) como reflexo da comunhão do Pai com o Filho (Evangelho segundo João 17:21). Mas esta comunhão também não anula a necessidade de solitude.



Ao elucidarmos sobre a ação do egoísmo nos relacionamentos, não podemos deixar de falar dos paliativos. São comuns pessoas que substituem momentos de solitude pelos relacionamentos virtuais em redes sociais como facebook, por exemplo, mas ainda vivem em solidão. Possuem mais de 1000 amigos virtuais, mas carecem de comunhão. Apesar de todo o frenesi que extingue a solitude da realidade de muitos, a sociedade globalizada não é capaz de aplacar a solidão.



Precisamos evocar a diferença entre solidão e solitude. Em termos conceituais ela não existe, mas na prática é evidente. Richard Foster, em seu livro A celebração da disciplina, afirmou: “Podemos cultivar a solitude e o silêncio interiores, que nos libertam da solidão e do temor. A solidão é o vazio do lado de dentro. A solitude é o interior preenchido.”[1]



Não existe solidão para quem com Deus tem comunhão. Mas é possível exercermos tal comunhão em solitude. O exemplo clássico é a oração. Jesus advertiu que estaria conosco até a consumação dos séculos (Evangelho segundo Mateus 28:19). O apóstolo Paulo elucidou, de forma poética, o fato de que não há nada que nos separe do amor de Deus, manifesto em Jesus Cristo (Romanos 8:35). E tal elucidação foi fundamentada em sua erudição nas Escrituras, principalmente do salmo que diz: “Para onde poderia eu escapar do teu Espírito? Para onde poderia fugir de tua presença?” (Salmo 139:7).



Solidão é o ser humano apartado de Deus e, consequentemente, de todos os outros, não tendo nada além dele mesmo. Solitude, por sua vez, é quando ficamos sozinhos para desfrutarmos de comunhão com Deus e, nesta perspectiva, refletirmos sobre nossa vida de modo a alinharmos à Sua ética. Foi a solitude que o apóstolo Paulo evocou, na ocasião da ceia, – também chamada de eucaristia ou comunhão – quando disse: “Examine o homem a si mesmo!” (I Coríntios 11:28).


Foi nesta solitude, em pleno curso da vigília noturna, em que Jacó se encontrava.

Continua... 





[1] FOSTER, Richard. Celebração da disciplina: o caminho do crescimento espiritual; tradução de Marson Guedes. São Paulo: Editora Vida, 2007. p. 144.

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