segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Níveis de conhecimento - Parte II

Matheus Viana

Sabemos que Deus não quer que O conheçamos apenas no nível da opinião, mas que possamos atingir o conhecimento oriundo da experiência. No entanto, no que ela consiste? Esta é a questão fundamental. O primeiro aspecto a ser analisado são os dois pontos nela envolvidos: o sujeito (o ser humano que busca o conhecimento) e o objeto (Deus, o ente a ser conhecido).

A experiência do ser humano com algo natural, chamada de fenômeno, pode ser descrita e explicada de acordo com a área em que ela ocorreu. Por exemplo, se é um fenômeno no corpo, ele é estudado a partir das premissas fenomenológicas das ciências que lidam com o corpo humano como biologia, ortopedia entre outras. Caso seja um fenômeno mental, será estudado a partir da neurociência, da psiquiatria e da psicologia. É neste mote, por exemplo, que August Comte teorizou a sociologia, também conhecida como ciências sociais, onde propôs a fenomenologia dos fatos sociais.

Contudo, conforme preconizou Edmund Husserl, considerado o pai da fenomenologia moderna, estas especificidades não são independentes, mas interdependentes. Ou seja, outros ramos da ciência são utilizados não apenas para descrever o fenômeno (o quê ocorreu), mas também para entendê-lo (por quê ocorreu). Um exemplo são as chamadas doenças psicossomáticas. Nestes casos, torna-se necessária uma fenomenologia que contemple os diferentes aspectos envolvidos no processo que desencadeou a enfermidade (fenômeno a ser estudado).

Mas sabemos que a obtenção da verdade – e também da descrição e explicação do fenômeno - apenas pelo método científico trata-se de um reducionismo. O Pe. Ednilson Turozi de Oliveira, doutor em Ciência e Filosofia da Religião, em seu livro Ensino Religioso: fundamentos epistemológicos (Intersaberes – 2012); cita uma breve síntese do pensamento dos especialistas em História e Ciência da religião, Giovanni Filoramo e Carlo Prandi, contido no livro As ciências das religiões. Elucidando sobre a chamada “autonomia do objeto”, Ednilson Oliveira afirma: “Para eles (Filoramo e Prandi), existe uma autonomia da experiência religiosa que escapa do campo da investigação empírica”.

Esta autonomia, a qual também podemos batizar de peculiaridade, dá-se pelo fato de que a experiência religiosa, cientificamente chamada de númeno, é uma relação do natural (sujeito) com o sobrenatural (objeto). Por isso, o critério fenomenológico da experiência religiosa abarca o ser humano integralmente pelo fato de ela compreender e considerar todas as áreas de sua vida. É por isso que Jesus, citando o Shemá (Deuteronômio 6:5), preconizou: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento.” (Evangelho segundo Mateus 22:37).

Apenas ouvir sobre Deus não é o suficiente. Longe disso. Contudo, este fato não pode nos levar a desprezarmos a importância de ouvirmos. Ele é o ponto de partida, mas não o de chegada. Neste mote, o apóstolo Tiago adverte: “Não sejais apenas ouvintes, mas sim praticantes.” (Tiago 1:22). A prática da Palavra é produto de uma experiência com ela.

Conforme vimos no texto O processo de crescimento, a prática é o terceiro passo do processo da sabedoria. O primeiro é a informação (ouvir a Palavra) e o segundo é adquirir o conhecimento, ato que consiste em digerir a informação com a mente.  No caso do cristão, é renovar seu entendimento (Romanos 12:2) através da ação do Espírito Santo (Evangelho segundo João 14:26) que nos revela os pensamentos de Deus (I Coríntios 2:11-16).

A maioria dos estudiosos de ciência da religião não faz separação entre sujeito e objeto, mas considera que ambos são coesos e interligados. Isto talvez seja pelo fato de que Husserl, em sua fenomenologia científica, também não faça. Ele chega a afirmar que o sujeito doa sua consciência e inteligibilidade ao objeto. Na teoria da percepção religiosa, feita por William Alston, a experiência religiosa é condicionada por perspectivas históricas, religiosas e culturais. E, por isso, a descrição e a explicação da experiência levam em conta a interpretação pessoal do sujeito. Exemplo: a mesma experiência vivida por dois sujeitos diferentes, um cristão e outro budista, será por eles descrita e explicada de acordo com seus pressupostos.

É aqui que entra em cena a importância de “ouvirmos a Palavra de Deus”, ou melhor, do ensino teológico como base de nossos pressupostos históricos, culturais e religiosos. A teologia cristã, em sua amplitude, estuda quem o sujeito é e também quem o objeto é. É por isso que Calvino afirma em sua primeira instituta: "O verdadeiro conhecimento do ser humano é completamente dependente do verdadeiro conhecimento de Deus". E, a partir destes conhecimentos, podemos analisar, de forma completa, a experiência religiosa (nosso relacionamento com Deus). Por isso a ação de Deus no ser humano – através do Espírito Santo – é determinada pela Sua Palavra – escrita ou falada (Evangelho segundo João 14:26).

Salomão alertou: “Ensina a criança o caminho em que deve andar...” (Provérbios 22:6) e Esdras afirmou: “Guardo no meu coração as tuas palavras ...” (Salmos 119:11). Pois uma experiência religiosa fora da Palavra de Deus nos conduzirá para longe Dele e, consequentemente, para longe do conhecimento que Ele deseja que alcancemos. Em outras palavras: o objeto da experiência religiosa não será Deus.

Diferente de Husserl, David Hume, além de separar sujeito de objeto, divide o objeto em duas partes: o ser e a aparência do ser. No campo da religião, Wayne Proudfoot usa a dicotomia entre sujeito e objeto e foca sua fenomenologia no sujeito, levando em consideração a explicação histórica, cultural e religiosa que o levou a ter tal experiência. Em contrapartida, na tentativa de encontrar algo em comum que fundamente as diferentes experiências religiosas, Willian James, Walter Stace e Caroline Franks Davis afirmam, consensualmente, que existe um núcleo comum entre elas. Contudo, ele extrapola os pressupostos religiosos, históricos e culturais, que podem ser diferentes. 

Sim, este núcleo existe. Podemos afirmar que se refere à necessidade que o ser humano possui de conhecer algo além de si mesmo (Não deixe de ler o texto Perscrutando o imperscrutável). Ou melhor, de conhecer sua origem e também do mundo em que viveSendo assim, este núcleo comum é a necessidade de conhecer Aquele de onde tudo se originou. Você O conhece?

Referência bibliográfica

OLIVEIRA, Ednilson, Turozi de. Ensino Religioso - Fundamentos epistemológicos: Porto Alegre: Intersaberes, 2012.

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