quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Mendicância espiritual

Matheus Viana

Quem nunca se deparou com um mendigo? Sim, você já se deparou. O que sentiu? Eu, pelo menos em minha experiência pessoal, defino tal sentimento como estando entre a indiferença e a misericórdia, ou seja, a compaixão que nos leva a fazer algo a favor dele. É o “vulgo” sentimento chamado de ‘dó’. Isso mesmo. Poderíamos fazer uma ampla abordagem sobre o que leva uma pessoa à mendicância. Mas não é este, no momento, o meu intento.

Pedro e João, ao se dirigirem para o Templo, foram abordados por um mendigo. Não era somente um “pedinte de esmolas”. Era um aleijado. Apesar de não poder andar, ele não clamava para que as pessoas o ajudassem a andar de modo a mudar sua situação, a exemplo do clamor do cego Bartimeu a Jesus (Evangelho segundo Marcos 10:47-52). Pedia “apenas” esmolas.

Ao ler esta narrativa, sou levado a pensar que muitos dos que frequentavam o templo davam-lhe esmolas. Afinal, dar esmolas é uma advertência de Jesus (Evangelho segundo Mateus 6:1-4). No entanto, Pedro e João foram além. Ao ser abordado pelo mendigo, Pedro lhe surpreendeu dizendo: “Olhe para nós.”. Este comando é que deu início ao milagre libertador em sua vida.

“Olhe para nós.”. Pedro discerniu que a necessidade daquele mendigo era muito maior do que o objeto de sua mendicância. Ele pedia esmolas, mas sua necessidade era de andar. O comando de Pedro representou a seguinte mensagem: “Eu tenho o que você realmente precisa”. Mas a mensagem de Pedro foi ainda mais enfática: “Não tenho prata nem ouro, mas o que eu tenho, isto lhe dou.” (Atos 3:6).

O mundo pós-moderno é regido por uma mentalidade materialista. E tal regência tem alcançado, infelizmente, a Igreja. Multidões têm frequentado templos evangélicos à procura de terem suas necessidades e desejos materiais atendidos. São o “público perfeito”, ou melhor, a “freguesia ideal” para as denominações adeptas da teologia da prosperidade. Semelhantes ao mendigo, estas multidões têm clamado por “esmolas”, sendo que possuem uma necessidade muito maior do que os objetos que visam alcançar. O apóstolo Paulo revelou esta verdade quando disse: “A ardente expectativa da criação aguarda pela manifestação dos filhos de Deus.” (Romanos 8:19). O ser humano precisa de salvação. Todavia, salvação não implica apenas no direito de ir morar no céu, mas de ser religado ao Criador de modo a encontrar e viver o verdadeiro sentido da vida que existe apenas nEle.

Aquele mendigo não tinha outra perspectiva em sua mísera vida a não ser... pedir esmolas. Esta era a maneira como ele se via. Ele pensava como um mendigo, sentia-se como um mendigo e, consequentemente, agia como um mendigo. A cosmovisão materialista – após Feuerbach – não é diferente. Conforme preconizou Karl Marx em seu livro A ideologia alemã, na tentativa de explicar a práxis revolucionária: “A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção."1. Ou seja, Marx preconiza que a consciência do ser humano é determinada pelo seu ser social. E o que faz a história não é o que o ser humano pensa, mas o que ele faz.

De acordo com esta ideologia, se sou pobre, não passo de uma vítima explorada pela “elite dominante”. Por isso, não me é lícito almejar uma melhora de vida pelas vias do exercício e do desenvolvimento nos aspectos intelectual, econômico e social. Muito menos o espiritual, já que a religião é “o ópio do povo”. A única alternativa que me resta, no entanto, é a luta de classes que Marx denomina como “a derrubada violenta de toda a ordem social”.

Antes de falarmos deste comando de Pedro, analisemos a posição deste mendigo. Ele era aleijado, ou seja, um enfermo. Como sabemos, o pensamento que fundamentava a cultura hebraica, por conta da Lei de Moisés, era a de que todo enfermo é, na verdade, uma pessoa debaixo de maldição por conta de seu pecado. Premissa que Jesus lança por terra ao responder aos fariseus que lhe questionaram sobre a cegueira de um homem (Evangelho segundo João 9;1-2). Por isso, ele era um alijado social e, por que não dizer, espiritual.

Seu “ponto de ação” era a porta chamada Formosa, que fazia divisão entre o pátio exterior, reservado às mulheres e aos “cidadãos comuns” e onde eram colocados os demais enfermos; e o pátio interior, reservado aos sacerdotes. O pátio dos sacerdotes era a antessala do Lugar Santo, o lugar de culto a Deus. O lugar em que o mendigo permanecia é significativa para nós. Muitos estão inseridos no Corpo de Cristo, frequentam a Igreja, mas estão aquém do lugar que Deus deseja que eles estejam.

Para aquele mendigo, o lugar em que permanecia era cômodo, pois não desejava cultuar a Deus, e sim apenas pedir esmolas. Devemos levar em consideração o fato de que ele, por ser aleijado, não tinha permissão de cultuar a Deus no Templo. Mas, pelo menos na narrativa de Lucas, não há nenhum indício de que ele quis mudar esta drástica realidade. Exercer o discipulado não consiste em dar apenas esmolas, mas sim em ser canal para uma transformação em todos os níveis da vida do indivíduo.

Pedro e João nos legaram uma importante lição. Foram usados pela intervenção milagrosa de Deus que devolveu a dignidade àquele homem. Ele não deixou de ser mendigo somente. Deixou de ser enfermo. Todos os presentes ficaram maravilhados com sua transformação (Atos 3:11). Nossa missão é sermos agentes deste tipo de transformação. Comecemos pela nossa...

Notas:

1 - MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã, tradução de Luis Cláudio de Castro e Costa - 3ª edição - São Paulo, 2007 - Martins Fontes, pp. 11.

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