domingo, 19 de abril de 2015

A forma do altar

Matheus Viana

Ao orientar os cristãos em Roma sobre o culto racional (Romanos 12:1), o apóstolo Paulo, como um judeu erudito, tinha em mente a Lei sobre a edificação do altar que Deus estabeleceu aos hebreus através de Moisés.

Há nela um importante princípio que deve ser aplicado ao nosso culto racional, mas que não tem sido devidamente observado. Deus disse ao povo: “Se me fizerem um altar de pedras, não o façam com pedras lavradas, porque o uso de ferramentas o profanaria.” (Êxodo 20:25).

A expressão pedras refere-se a dois aspectos. O primeiro é o alicerce da Igreja do Senhor na terra e, consequentemente, de Sua sã doutrina. Por isso Paulo adverte aos cristãos em Éfeso: “No fundamento dos apóstolos e profetas, tendo Jesus como a Pedra Angular.” (Efésios 2:20-21).

Esta pedra não pode ser lavrada. A mensagem do Evangelho não pode ser adulterada, tampouco moldada aos métodos corporativos, de marketing, de autoajuda ou de qualquer outro atributo meramente humano. Não pode ser conformada com estratégias eclesiásticas elaboradas por qualquer líder que seja. Deve permanecer como é naturalmente: conforme Deus estabeleceu por meio de seus santos profetas e apóstolos. Pois os profetas apontaram até Cristo e os apóstolos disseminaram o Soberano Legado dAquele que é a Pedra Angular. Nossa missão é apenas perseverar nela de modo a praticá-la e disseminá-la. 

O segundo é a nossa vida. Somos o altar onde, lavados pelo sangue do Sumo-sacerdote Jesus Cristo, devemos ser oferecidos como sacrifício, que foi elucidado por Ele: “Aquele que quiser me seguir, negue-se a si mesmo, toma a tua cruz e siga-me.” (Evangelho segundo Mateus 16:24). O apóstolo Pedro preconizou: “Vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas na edificação de uma casa espiritual para serem sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo.” (I Pedro 2:5).

Sendo assim, nós também não podemos ser lavrados. Nossos modos de pensar e agir não podem ser caracterizados, muito menos condicionados por metodologias humanas. Pois não somos produtos de um sistema eclesiástico ou evangelístico, seja ele qual for. Somos frutos do Soberano Criador que fez os céus e a terra e o ser humano com um propósito glorioso. Somos frutos de Sua Palavra, que por sua vez é fruto de Seu pensamento (Gênesis 1:26-27), e também de Sua ação (Gênesis 2:7).

Somos pedras criadas pelo Supremo Criador, por isso temos a forma que Ele esculpiu em nós. Sim, ela foi perdida com o pecado, mas está sendo restaurada pela obra do Espírito Santo (II Coríntios 3:18) através da Palavra (Evangelho segundo João 14:26). Sendo assim, não podemos permitir que esta forma seja moldada com qualquer lavrar humano.

Outro princípio contido na Lei de Moisés, que Paulo observa em seu ensino sobre o culto racional, é o acesso ao altar. Deus disse ao povo: “Não subam por degraus ao meu altar, para que nele não seja exposta a sua nudez.” (Êxodo 20:26). Qual é a verdadeira intenção de nosso culto racional? Quem tem tido a evidência: Jesus, o objeto de culto, ou nós mesmos?

Algo comum em muitos sistemas utilizados por algumas instituições para organização e crescimento é a ênfase na liderança. As frases mais comuns são: “cada crente é um líder” e “somos chamados para sermos cabeça e não cauda”. Enfim, o ufanismo é bastante evidente. Tais métodos confundem organização - que é necessária – com hierarquização da fé. Ou seja, as autoridades não são apenas funções necessárias para o funcionamento do Corpo de Cristo, mas uma oportunidade para alcançar níveis maiores em relação aos demais membros deste Corpo. Para simplificar, é o mesmo princípio contido na dicotomia existente entre cleros e leigos na Igreja Católica da Idade Média. Desconsideram por completo um dos princípios fundamentais da Reforma Protestante: o sacerdócio universal de todos os crentes.

Vejam que a ênfase que Lutero e os reformadores que vieram depois dele como Zuínglio e Calvino davam ao aspecto sacerdócio é completamente diferente da que é aplicada ao termo liderança. Pois no sacerdócio há os elementos de intercessão junto a Deus – além, claro, do contato direto com Ele, sem a necessidade de um intermediador (leia-se Papa) -; e o servir à comunidade dos cristãos.

Foi este o caráter que levou os apóstolos a decidirem: “’Não é certo negligenciarmos o ministério da palavra de Deus, a fim de servir às mesas. Irmãos, escolham entre vocês sete homens de bom testemunho, cheios do Espírito Santo e de sabedoria. Passaremos a eles essa tarefa e nos dedicaremos à oração e ao ministério da palavra.” (Atos 6:2-4).

Vemos aqui que a divisão de funções não possuía nenhum fragmento de ufanismo. Os apóstolos haviam andado com Jesus, ainda que Matias, que ocupou o lugar de Judas, não tenha andado tão próximo dEle como os demais. Mesmo assim eles propuseram apenas uma função “diferente” e não “maior”. Eles entendiam que a organização da Igreja de Cristo é composta de funções diferentes e complementares. E não de uma hierarquia vertical.

Esta hierarquia vertical, profundamente presente e arraigada no seio da Igreja atualmente, tem exposto a nudez de muitos sacerdotes. Digo isso com pesar no coração. O número de líderes que se proclamam apóstolos, patriarcas, entre outros títulos que apenas expõem seus orgulhos, assim como a nudez expõe as nossas vergonhas é alarmante. E isto tem deturpado o Evangelho e desonrado o nome de Cristo. Isto não é crítica. É fato, infelizmente.

Que possamos subir este altar de joelhos assim como o leproso que se aproximou de Jesus e, antes de pedir pela Sua cura, o adorou (Evangelho segundo Mateus 8:1-2). Como João Batista que, tendo consciência de que Jesus era “o cordeiro que tira o pecado do mundo.” (Evangelho segundo João 1:27), afirmou: “É necessário que ele cresça e que eu diminua.” (Evangelho segundo João 3:30).

Portanto, esta é a forma com a qual devemos viver como pedras vivas: “Não façam nada por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem aos outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente de seus próprios interesses, mas também dos interesses dos outros. Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo ao qual devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens.” (Filipenses 2:3-7).

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