sexta-feira, 15 de abril de 2016

Jesus e os conhecimentos



Matheus Viana

No grego há quatro expressões usadas para conhecimento: Eidos, Doxa, Epísteme e Gnose. Com o fim da era mítica, houve o surgimento do pensamento grego que buscou o conhecimento da origem de todas as coisas (arché). Nada mais do que a tentativa de responder as questões básicas: O que sou? De onde vim? Onde estou? Para onde vou? Estas questões, no entanto, surgiram a partir do momento em que o ser humano se apartou de Deus e de Sua ética soberana. Os gregos, milênios depois, apenas reverberaram este drama.

A base deste pensamento era a dialética básica entre sujeito (ente que conhece) e o objeto (ente a ser conhecido). Entre eles há um processo complexo onde estão inseridos os quatro tipos de conhecimento citados nas linhas acima. Não tenho a pretensão de descrever o sistema dos primeiros filósofos, pois seria necessário evocar detalhes da história da filosofia que deixariam este texto demasiadamente exaustivo e consumiriam completamente a sua paciência. O que faria você abortar esta leitura.

Mas algo que deve ser observado é o desenvolvimento deste conhecimento. O eidos seria o conhecimento pertencente ao mundo inteligível (ou das ideias) elucidado por Platão, cujo pensamento foi fortemente influenciado por Parmênides de Eleia. Platão dizia que o mundo sensitivo (objetivo) – o que nós vivenciamos através dos sentidos – nada mais é do que uma representação tosca do mundo inteligível (subjetivo). A dialética platônica dava-se entre estes dois mundos. Podemos defini-los, para melhor compreensão, como sobrenatural e natural ou metafísico e físico. Sendo assim, o eidos é o conhecimento que dá a base para todos os outros. Pois o mundo sensitivo só existe por conta do mundo inteligível. E só saberemos, de fato, o que o mundo sensitivo é quando obtivermos o conhecimento (eidos) existente no mundo inteligível. Platão o definiu da seguinte maneira:

“No mundo inteligível, a última coisa que se percebe é a ideia do bem, e isso com grande esforço; mas, uma vez percebida, forçoso é concluir que ela é a causa de todas as coisas belas e retas, geradora da luz e do senhor da luz do mundo visível e fonte imediata da verdade e do conhecimento no inteligível.”[1]

Este conhecimento (eidos), no entanto, não é obtido de forma súbita, mas é desenvolvido na medida em que analisamos o objeto a ser conhecido. Este desenvolvimento demanda os outros conceitos citados anteriormente. Quando analisamos o objeto a ser conhecido apenas com os nossos sentidos, o conhecimento que temos dele é o doxa. Portanto, ele não é suficiente e, além disso, pode ser enganoso.

Em seu livro República, Platão descreveu uma situação fictícia em que chamou de mito ou alegoria da caverna. Um grupo de humanos habitava em uma caverna iluminada apenas pela luz do fogo que incandecia em seu interior. Ao olharem, de dentro da caverna, as sombras dos homens e das demais coisas que passavam do lado de fora emitidas pela projeção dos raios solares sobre eles, aquelas pessoas viam seres totalmente diferentes do que, de fato, eram. Esta primeira impressão sobre a realidade é o doxa. É o conhecimento obtido apenas pelo uso dos sentidos[2].

Mas houve quem, munido de coragem, resolveu deixar a escuridão que havia no interior daquela caverna e buscar o conhecimento daquelas sombras. Ao sair da caverna, ele viu que aquelas sombras eram na verdade meros reflexos da verdade. Ele se deparou com uma realidade completamente diferente da que ele via do lado de dentro da caverna. Esta busca por obter o conhecimento além do doxa é o epísteme. Pois agora ele viu como são, de fato, os seres (homens, animais e plantas) que viviam fora da caverna. Mas este conhecimento só era possível por conta da luz do sol que o permitia ver a realidade como de fato era. Sem esta luz, ele não teria o epísteme. Platão dizia que esta luz era a razão.

Então, além de conhecer os seres que habitavam fora da caverna como realmente eram, ele viu que havia algo que contribuía para este conhecimento: a luz que o sol emitia. Agora o objeto de seu conhecimento não era mais os seres, mas o sol que transmitia a luz que os iluminava e lhe permitia ter este conhecimento. O conhecimento do sol, no entanto, é o gnose. Platão elucidou sobre ele:

“... estaria em condições de ver o Sol, não suas imagens refletidas na água ou em qualquer outro lugar que não seja o seu, mas o próprio Sol em seu próprio domínio e tal qual é em si mesmo.”[3]

Portanto, temos:

  1. O conhecimento da verdade soberana que é a base para toda e qualquer realidade: Eidos.
  2. O conhecimento da realidade que temos a partir dos nossos sentidos somente: Doxa.
  3. O conhecimento da realidade que temos quando os nossos sentidos são iluminados pela razão: Epísteme.
  4. O conhecimento desta luz que nos permite ter o conhecimento epistêmico: Gnose.

Jesus em relação a estes quatro conhecimentos.

Jesus e o eidos: “No princípio era a Palavra. A Palavra estava com Deus e era Deus. Ele estava com Deus no princípio. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele.” (Evangelho segundo João 1:1-3).

Jesus é o padrão soberano de Deus para toda Sua criação. Saberemos como toda a criação (incluindo o ser humano) deve ser quando soubermos quem Ele é. Deus estabeleceu sobre toda a criação o padrão perfeito. A Bíblia relata: “E Deus viu todo o que havia feito e que ficou muito bom.” (Gênesis 1:31). Este bom (tov) é a perfeição que Agostinho chamou de Bem Supremo. É o próprio Jesus. A criação ficou perfeita por ter sido criada por um Ser perfeito.

Em suas cinco vias da razão que visam provar a existência de Deus de forma racional, Tomás de Aquino, em seu quarto ponto, afirmou que todo grau de perfeição tem como base a perfeição soberana. Temos necessidade de atingirmos a perfeição pelo fato de nossa existência ter origem em um Ser perfeito.

Sobre isso, Descartes, em seu livro O discurso do método, diz que a todas as dúvidas que a mente humana possui são sinais de sua imperfeição. Mesmo sendo imperfeita, ela tem a ideia (eidos) da perfeição. Mediante este fato, ele questiona: Qual a origem desta perfeição, já que não pode ser a mente humana por ser imperfeita? Ele responde em seguida: Deus, o ser perfeito que colocou este conhecimento (ideia) sobre a mente humana.[4]

Jesus e o doxa: “Chegando Jesus à região de Cesareia de Filipe, perguntou aos seus discípulos: ‘Quem os outros dizem que o Filho do Homem é?’ Eles responderam: ‘Alguns dizem que é João Batista; outros Elias; e, ainda outros, Jeremias ou um dos profetas.’ ‘E vocês?’, perguntou Ele. ‘Quem vocês dizem que eu sou?’. (Evangelho segundo Mateus 16:13-15)

“Aquele que diz permanecer nele, deve andar como ele andou.” (I João 2:6).

Jesus é a ética de Deus aos homens (Doxa). Mas não é apenas isso. O verdadeiro cristão deve ter Cristo como a essência de sua existência. Sobre isso, o apóstolo Paulo afirmou: “Já não sou mais eu quem vivo, mas Cristo vive em mim.” (Gálatas 2:20).

Jesus e o epísteme: “Vocês estudam cuidadosamente as Escrituras, porque pensam que nelas vocês têm a vida eterna. E são as Escrituras que testemunham a meu respeito.” (Evangelho segundo João 5:39). Jesus é o pleno cumprimento das Escrituras (Epísteme).

O salmista declarou: “Lâmpada para os meus pés e luz para os meus caminhos é a sua palavra, ó Senhor.” (Salmo 119:105). Jesus é esta luz (Evangelho segundo João 1:4-5). Mas este conhecimento é dado através do Espírito Santo (Evangelho segundo João 16:13) que veio nos lembrar dos ensinamentos de Jesus (Evangelho segundo João 14:26).

Jesus e a gnose: “Disse Filipe: ‘Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta.’ Jesus respondeu: ‘Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu ter estado com vocês durante tanto tempo? Quem me vê, vê o Pai.” (Evangelho segundo João 14:8-9).

“E o verbo se fez carne e habitou entre nós. Vimos a sua glória, glória como a do Unigênito do Pai.” (João 1:14).

“Ele (Jesus) é a imagem do Deus invisível.” (Colossenses 1:15).

Jesus é a plena revelação de quem Deus é (Gnose).


[1] PLATÃO, A república; Tradução de Leonel Vallandro. – Ed. Especial. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Saraiva de Bolso, 2011. p. 283.
[2] Ibid. p. 279.
[3] Ibid. p. 281.
[4] DESCARTES, René. O discurso do método; tradução, prefácio e notas de João Cruz Costa. – Edição especial – Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Saraiva de Bolso, 2011. p. 51-52.

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