segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O propósito da insígnia

Matheus Viana

O sociólogo francês Emile Durkheim (1858-1917) constatou em seu livro Suicídio: um estudo sociológico, que uma das principais causas de suicídio é a carência de propósito na vida do indivíduo. Conforme preconiza o argumento teleológico, defendido por Willian Paley, e também o argumento cosmológico, defendido por Tomás de Aquino e Al-Ghazali, tudo o que existe na natureza possui uma origem e um propósito. Nada é por acaso.

O ser humano é natural. Logo, sua existência é a prova cabal de que possui um propósito. Antes, portanto, de meditarmos sobre o propósito que repousa sobre nós, precisamos adquirir a consciência de que ele existe. Esta consciência, por sua vez, não é teórica ou passiva, mas prática.

O apóstolo Paulo elucida sobre esta prática advertindo os cristãos filipenses: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus.” (Filipenses 2:5). Não se trata de sentimentalismo piegas ou comiseração auto-ajuda atualmente em voga. A expressão sentimento, em outras traduções - como por exemplo a NVI (Nova Versão Internacional) - é traduzida como atitude. A expressão original é froneísto, derivada do radical froneo, que significa o pensamento que antecede uma ação.

Para entendermos melhor o que Paulo quis dizer, precisamos evocar a diferença entre instinto e vontade (Não deixe de ler o texto: Instinto, vontade e propósito). Instinto é uma ação desprovida de razão. Por outro lado, a vontade sempre é determinada pela razão. Immanuel Kant teorizou uma divisão da razão humana em duas partes: pura (pensante) e prática (uso dos cinco sentidos). Para ele, nossas atitudes são, além de desdobramentos de nossa experiência empírica (razão prática), determinadas pela nossa racionalidade (exercício do pensamento). Grosso modo, o númeno (razão pura, pensamento), determina a razão prática (fenômeno). Todavia, a razão pura (númeno) não pode ser conhecida (incognoscível). Já a razão prática (fenômeno) pode ser conhecida e estudada (cognoscível).

Um exemplo disto é quando eu exclamo: “Estou com vontade de comer bolo de chocolate!”. Este desejo, contudo, é fruto de ter me lembrado (razão pura) do bolo que minha mãe fez há um mês. Mas esta lembrança só é possível por conta da experiência empírica de tê-lo comido pela primeira vez. Ou quando estamos sentados em nosso confortável sofá, vendo TV e nos deparamos com a propaganda de uma lanchonete famosa mostrando um sanduíche suculento. Esta visão pode causar em nós o desejo de comer o sanduíche. Ou seja, tal desejo é produto da razão prática (experiência empírica, visão) que tivemos com o “sanduíche virtual”.

É exatamente isso que a expressão froneísto significa: pensamentos que determinam nossas atitudes. Contudo, nosso froneísto deve ser exatamente o mesmo de Jesus. Por isso o apóstolo Paulo exorta aos cristãos romanos: “Transformai-vos pela renovação da vossa mente (nous – intelecto), para que experimenteis qual seja a boa, perfeita e agradável vontade de Deus.” (Romanos 12:2). Pois o mesmo Paulo advertiu: “O deus deste século cegou o entendimento (nous – intelecto) das pessoas para não lhes resplandecer a luz do evangelho.” (II Coríntios 4:4). Por isso a renovação da nossa mente, que consiste na plena submissão de nosso modo de pensar, e consequentemente de ser e agir, ao padrão de normalidade de Deus ao homem, que é Cristo Jesus, é fundamental. Não é em vão que Paulo orienta aos coríntios: “... levando cativo todo pensamento, para torná-lo obediente à Cristo.” (II Coríntios 10:5).

Uma vez entendido o caráter da consciência que devemos obter, partamos para o propósito. Como discípulos de Cristo, pais e professores, o propósito que repousa sobre nós é o de sermos usados por Deus para que possamos formar pessoas à semelhança de Cristo. O apóstolo Paulo diz aos cristãos colossenses: “Nós o proclamamos, advertindo e ensinando a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em Cristo.” (Colossenses 1:28).

Sabemos que o propósito central de Deus a nós é o de nos tornarmos à semelhança de Cristo para que possamos viver como Ele (Romanos 8:29). Fomos formados à Sua imagem e semelhança (Gênesis 1:27, Colossenses 1:15). Mas o pecado degradou este padrão de normalidade. No entanto, conforme o apóstolo Paulo exorta, a maneira de cumprir o propósito que repousa sobre nós é o de advertir e ensinar.

A palavra ensino é derivada da expressão latina insignia, que significa marca. Mais do que transmitir informações e conceitos, ensinar é deixar uma marca no coração de nossos filhos e alunos. E esta marca é a que Paulo chama de perfeita varonilidade (Efésios 4:13). Por isso, em sua carta aos colossenses, usa a expressão “perfeito em Cristo”. Mas há uma maneira de exercer este ensino. É a que Jesus exerceu. Ela consiste em aprender, fazer e ensinar.


Lucas sintetizou todo o ministério de Jesus em “fazer e ensinar.” (Atos 1:1). Contudo, Jesus ensinou apenas o que realizou (Evangelho segundo Mateus 7:28-29), e realizou apenas o que viu o Pai fazer (Evangelho segundo João 5:19) e ensinar (Evangelho segundo João 8:28). Conosco não pode ser diferente. Temos que estar sempre dispostos a aprender, a realizarmos o que aprendemos (Tiago 1:22) e ensinarmos somente o que realizamos. Em outras palavras: pensar, ser e agir como Cristo.

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