segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Instinto, vontade e propósito

O desafio em fazer o bem consiste em sujeitar os instintos ao exercício da vontade. E esta deve ser a nossa vontade: fazer a vontade de Deus a nós, a qual o ser humano nunca deveria ter se apartado.

Matheus Viana

A experiência pensante ou empírica vem antes do desejo. O que não exige a razão não é desejo, e sim instinto. E entre o desejo (vontade) e a ação há algo chamado “propósito”. Isto é explícito na sentença bíblica: “E disse Deus: ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra’”. (Gênesis 1:26).

É fato: Deus desejou criar o ser humano como resultado de Seu pensamento. Mas, antes da ação criadora, estabeleceu sobre tal desejo um propósito. Vontade exige razão – pensamento – por possuir em si um propósito. Mais do que isso: propósito é o meio que arquitetamos para realizar a nossa vontade. 

Exemplo: Alguém diz: - “Quero comer chocolate!”. O que ele precisa fazer para satisfazer este desejo? Adquirir este chocolate. Caso o tenha guardado em sua geladeira, ele deve se dirigir a ela a fim de pegá-lo. Assim, sua vontade é a de comer chocolate. Consequentemente, seu propósito passa a ser se dirigir à geladeira para pegá-lo e comê-lo. Portanto, propósito é desdobramento da vontade. E é o propósito que resulta em uma ação, e não meramente a vontade em si, conforme afirma Schopenhauer. Por isso, ela exige o exercício da razão.

Mas não é isso o que acontece com o instinto. Afirmando que o ser humano é em essência vontade, Schopenhauer diz que o caráter humano se divide em três partes: inteligível, empírico e adquirido. O inteligível, segundo ele, é o conhecimento racional da vontade. Sobre o empírico – resultado da experiência através dos sentidos -, afirma: “O caráter empírico, simples instinto natural, é em si desprovido de razão. Suas próprias manifestações são impedidas pela razão...”. (Livro: Do mundo como vontade e representação, pág. 68 – Editora Saraiva). Já o adquirido é a síntese de ambos.

É notório que Schopenhauer chama de “caráter empírico” o instinto humano. Platão elucidou sobre a dicotomia existente entre a consciência e o corpo. Para ele, os feitos do corpo são desprovidos – separados, independentes – da razão (consciência). Ou seja, as ações do corpo são determinadas pelo instinto natural do indivíduo, o qual Platão também, como Schopenhauer, chama de desejo. 

O apóstolo Paulo afirma: “Pois eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum; pois o querer o bem está em mim, não porém o efetuá-lo”. (Romanos 7:18). Paulo usa a dicotomia platônica – que influenciava grandemente os romanos - entre corpo - o qual ele chama de “carne” – e consciência – que ele denomina como querer – para elucidar sobre a diferença entre instinto e desejo (vontade).

Não podemos fugir de nosso instinto, pois ele é inerente ao ser humano. Por conta do pecado original, a natureza humana foi corrompida. Logo, seu instinto também foi (Colossenses 3:5). É isso que Paulo afirma em sua afirmação citada acima. Apesar de desejar fazer o bem, não é capaz de fazê-lo por conta de seu instinto ser mau. Conosco, repito, não é diferente...

Nosso desafio em fazer o bem consiste em sujeitar o instinto ao exercício da vontade. Por ser a vontade produto da experiência, o apóstolo Paulo aconselha: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos (instinto e impulsos) em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.” (Romanos 12:1). Esta deve ser a nossa vontade: fazer a vontade de Deus a nós, a qual o ser humano nunca deveria ter se apartado. 

Em seguida, Paulo elucida o propósito de tal sujeição: “E não vos conformeis com este mundo (modo de pensar, desejar, escolher e agir), mas sejam transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus”. (Romanos 12:2). Tal elucidação explicita, mais uma vez, o fato de que o desejo é produto do pensamento, ou seja, a maneira como pensamos e o que experimentamos através de nossos sentidos determinam nossos desejos. E não o contrário.

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