quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Corpo de Cristo x corporativismo cristão

Matheus Viana

“Não apenas ministério, nem somente empresa. Somos um ministério organizado como empresa cumprindo uma missão.”.

Esta é a filosofia relacionada a uma instituição que, segundo se define e age, não sei se é religiosa, corporativa ou uma síntese de ambas. Mas analisando o comportamento e os modelos organizacionais usados por várias denominações e instituições evangélicas, vemos que a filosofia acima é a que as fundamenta. A questão que surge é: Este é o padrão bíblico? Depende de qual seja a bíblia. De acordo com a Bíblia cristã canônica, que descreve o perfil e a organização da Comunidade Cristã, também conhecida como Igreja primitiva, não é. Veremos por quê.

Comecemos com a concepção da Igreja. Jesus disse a Pedro: “Te digo que tu és Pedro (petrus, pequena pedra), e nesta pedra (petra, rocha), edificarei a minha igreja...”. (Evangelho segundo Mateus 16:18). Jesus é o fundamento da Igreja. Sim, isso é obvio. Sendo assim, somos sua extensão como representantes na terra. Sobre a sua organização, Paulo, o autor que mais elucidou sobre este aspecto, a descreve como um corpo. 

Um corpo é algo organizado. Nossos movimentos motores são determinados pelas sinapses cerebrais em sinergia com os batimentos cardíacos e orquestrados com os dinamismos neurais, musculares e com toda a complexidade da qual somos constituídos. Paulo elucida sobre a vasta e plural organização da Igreja, personificada no corpo de Cristo, no capítulo 12 de sua carta aos coríntios.

Além disto, vemos a organização da Igreja primitiva no livro de Atos dos apóstolos. Logo no primeiro capítulo, vemos a instituição de Matias para assumir o ofício de apóstolo no lugar de Judas. O presbitério formava o governo da Igreja, modelo utilizado por Cristo no exercício do discipulado. Após este episódio, todavia, não vemos nas Escrituras a continuação de instituir doze pessoas como organização eclesiástica. Não vemos, por exemplo, quem eram os “doze” discípulos de Pedro, de João ou de qualquer um dos apóstolos.

Contudo, a Igreja primitiva era meticulosamente organizada. Verdade evidente no livro de Atos. Lucas relata tal fato: “Naqueles dias, crescendo o número de discípulos de fala grega entre eles, queixaram-se dos judeus de fala hebraica, porque suas viúvas estavam sendo esquecidas na distribuição diária de alimento. Por isso os doze reuniram todos os discípulos e disseram: ‘Não é certo negligenciarmos o ministério da palavra de Deus, a fim de servir às mesas. Irmãos, escolham entre vocês sete homens (e não doze) de bom testemunho, cheios do Espírito de sabedoria. Passaremos a eles esta tarefa e nos dedicaremos á oração e ao ministério da palavra’”. (Atos 6:1-4).

Vejamos! Na Igreja primitiva havia atividades diferentes e específicas. Os doze apóstolos foram separados para os ofícios espirituais (oração e ensino da Palavra). Já os sete diáconos, escolhidos pelos membros, foram separados para o serviço social. O padrão da verdadeira Igreja de Cristo não faz distinção entre os evangelismos espiritual e social. Considera-os como dois lados de uma mesma “moeda”. Apesar de tal coesão, no entanto, cada membro exerce sua função conforme o dom que recebeu do Espírito Santo (I Coríntios 12:4-7). Organização não anula a pluralidade. Verdade fundamental esquecida pela Igreja atual.

Esta organização, todavia, não tem caráter corporativo. Pois a base é Cristo. Logo, não extrai o dinamismo da vida humana. Temos visto a derrocada do evangelho atual que, a cada dia que passa, se conforma aos moldes corporativos (empresariais). Modelos eclesiásticos se rendem às configurações do marketing no intuito de arrebanhar mais membros não como resultado de uma conversão genuína (experiência religiosa), mas por tocar as necessidades criadas por uma sociedade consumista e cada vez mais pautada no materialismo e no ideal da autoajuda. Ou seja, a necessidade de arrependimento e de salvação tem sido preterida pela “necessidade” de riquezas materiais e satisfações emocionais. Estamos longe do culto racional elucidado por Paulo em sua carta aos romanos (Romanos 12:1-2).

Por isso, ministérios foram transformados em empresas. Há, acredite, quem veja esta metamorfose como algo normal. Como consequência, pastores têm usado da influência e do carisma – sim, me refiro à caris (Graça) divina – que possuem para arrebanhar adeptos para a sua rede do cada vez mais comum marketing multinível. Há quem diga que esta atividade é paralela ao ministério. Mas os fatos evidenciam uma realidade bem diferente.

Como consequência, temos visto o crescimento do chamado evangelho modo-de-produção. O cristão passa a ter seu convívio social na denominação onde frequenta condicionado à sua produtividade. Sim, há metas e todos os atributos contidos nos pacotes corporativos de empresas famosas. Consultores de empresas como John Maxwell, Myles Monroe, entre outros ganham ares de teólogos. Em contrapartida, gigantes teológicos como John Stott, Alister McGrath, John Piper, Augustus Nicodemus entre outros são preteridos como radicais. Em qual destas “alas” Jesus estaria? Você ainda têm dúvida?

Jesus, em sua época, encontrou uma religião configurada nos moldes “corporativos” romanos. Consequentemente, foi rejeitado e desprezado. Por esse mesmo motivo, Deus enviou João Batista, sacerdote por direito e herança por parte de pai e mãe, a exercer seu ofício sacerdotal no deserto a fim de ser a “voz do que clama no deserto”. Segundo a Bíblia, ministério (corpo de Cristo) e empresa (corporativismo cristão) são incompatíveis. São insolúveis como a água e o óleo. Basta analisarmos o modelo organizacional da Igreja primitiva para detectarmos, com certa obviedade, tal verdade.

Certa vez, quando era editor da revista Profecia, um pastor questionou dois membros da revista sobre ela ser um mero “ganha pão” e, por isso, não se tratava de um ministério. Quão grande equívoco! A revista se enquadrava exatamente no modelo que Jesus estabeleceu: “Porque a minha comida (ganha pão) consiste em fazer a vontade daquele que me enviou a fazer a boa obra.” (Evangelho segundo João 4:34). Pregávamos o Evangelho através da revista e, ao mesmo tempo em que recebíamos (muito pouco, quando recebíamos), também pagávamos um alto preço por isso. Quem participou deste processo sabe o que estou dizendo... 

Jesus estabeleceu a Igreja para ser Seu corpo na terra. Ou seja, que sua organização e ação sejam resultados de sentirmos (Filipenses 2:5), pensarmos (I Coríntios 2:16) e agirmos como Ele (I Coríntios 11:1). Esta “tríade” é impossível em uma organização estática como a empresarial. A organização da Igreja de Cristo é baseada em Sua Palavra que é “Espírito e vida” (Evangelho segundo João 6:63), e não em sistemas e métodos pragmáticos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário