sexta-feira, 26 de julho de 2013

Ação teórica

Matheus Viana

Sei que este título pode ser interpretado como contraditório. Quem o faz evidencia a pouca importância - quase nula - que dá à teoria.

No ano de 2012, um aluno me disse: “Você é o melhor professor que já tive...”. Sei que o leitor deve estar pensando: “Imagine então a má qualidade dos outros professores!”. Aguarde o desfecho do depoimento do aluno e reflita de forma paciente: “... o professor de ensino religioso que eu tinha na outra escola onde eu estudava não ensinava como o senhor, passando lições teóricas que fazem a gente pensar. Ele passava apenas lições práticas, como a de dois alunos fazerem, com os braços, uma espécie de ‘cadeira’ para que um terceiro aluno sentasse e fosse por eles carregado”.

A aula “prática” deste professor, segundo o relato do aluno, era totalmente desprovida de teoria. Este, infelizmente, é o pensamento da maioria. Numa sociedade cada vez mais frenética, competitiva e dinâmica, a prática exerce a primazia sobre a teoria até o ponto de considerá-la como desnecessária. Alguns usam até as Escrituras (Bíblia) como base argumentativa para tal descalabro: “O próprio Salomão, o homem mais sábio do Antigo Testamento, disse: 'o muito estudar é enfado da carne.'” (Eclesiastes 12:12).

Uma das regras básicas da hermenêutica, e também da exegese, é considerar todo o contexto do texto analisado. É evidente o fato de que Salomão definiu como vaidade o fato do ser humano colocar a busca pelo conhecimento como algo central e, com isso, esquecendo-se ou até mesmo extirpando Deus de sua vida. Mas não anulou sua crucialidade, preconizada em caráter de lamentação pelo próprio Deus através do profeta Oséias: “Meu povo se perde por falta de conhecimento.” (Oséias 4:6). Clamor que foi reiterado por Jesus quando debatia com os saduceus: “Errais por não conhecerem as escrituras nem o poder de Deus.” (Evangelho segundo Mateus 22:29).

O mesmo Salomão advertiu: “Ensine a criança o caminho em que deve andar, e quando for adulto não se desviará dele.” (Provérbios 22:6). Este é um versículo usado à exaustão por educadores cristãos. E ele é pertinente para nossa breve reflexão. O termo ensine é derivado da expressão latina insígnia, que significa marca. Salomão estava dizendo que o educador, seja ele quem for, deve deixar uma marca – caráter e maneira de pensar - na vida da criança que pavimentará e determinará toda a sua conduta quando for um indivíduo maduro e responsável pelos seus atos.

A questão é: “Qual a insígnia que temos feito na vida de nossos filhos e alunos?”. A advertência feita pelo apóstolo Paulo em sua carta aos filipenses é atual: “Para que sejais irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis, no meio de uma geração corrompida e perversa...” (Filipenses 2:15). O índice de violência entre o público infanto-juvenil é espantoso. Não é em vão que a proposta da redução da maioridade penal, de tempos em tempos, emerge como clamor público (Não deixe de ler o texto: Maioridade penal). O número de usuários de drogas – legais e ilegais - na faixa de 12 a 18 anos não fica atrás. Aliás, violência está, na esmagadora maioria dos casos, ligada à drogadição. Se fôssemos mensurar todo o mau comportamento infanto-juvenil que contribui para o que Freud chamou de “mal-estar da civilização”, o texto ficaria exaustivo.

O motivo? Há muitos. Contudo, o principal é a má qualidade do ensino em todos os níveis. Nosso objeto de análise, no entanto, é o teórico. Na década de 60, em pleno auge da revolução cultural que disseminou o comportamento pautado na tríade “sexo, drogas e rock´n roll”, responsável pelo quase imensurável número de abortos clandestinos e mortes causadas pela chamada “overdose” em meio aos adolescentes e jovens, o artista plástico Hélio Oiticica declarou: “Seja marginal, seja herói!”. Hoje não é diferente. Enquanto educadores que prezam por valores morais como direito à vida (contrários ao aborto), à família e ao bem-estar geral minimizam o valor da teoria, os devotos em fazer ruir toda base moral que ainda persiste dão a ela um grande valor. Os filhos das trevas são mais hábeis do que os filhos da luz. (Não deixe de ler o texto: Quem são os obscurantistas?).

Quando ouvi o relato daquele aluno fiquei aterrorizado. E não era para menos. Claro que não concordei com ele sobre o fato de eu ser o melhor professor que já teve. Mas a questão não é esta. Este jovem, que na época estava com 15 anos, passa e irá passar ainda mais por momentos turbulentos que exigirão dele uma capacidade de pensamento e escolha que o livre de apuros. Por isso, deve estar fundamentado em uma teoria sólida para que possa agir da maneira correta e satisfatória quando a circunstância exigir.

Hoje, no entanto, vivemos a mesma realidade descrita pelo apóstolo Paulo há milênios pelo fato de priorizarmos a “prática”, como se ensino teórico não fosse relevante. O escriba Esdras, responsável pela reconstrução do Templo e restauração do culto a Deus em meio aos israelitas, e consequentemente à moral social que emanava da Lei mosaica, afirmou que guardava em seu coração (âmago de sua personalidade) os ensinamentos de Deus para não pecar contra Ele (Salmos 119:11). Temos gerado, como educadores, esta realidade no coração de nossos filhos e alunos?

Esta realidade não será possível com meros entretenimentos. Uma aula lúdica e interessante vem bem a calhar. Podemos até dizer que é um atributo essencial no processo de educação. Mas o ensino deve deixar uma marca. Marca que fará com que nossos filhos e alunos saibam pensar e agir de forma a preservar a moral e o bem-estar social (que não tem nada a ver com o keynesianismo) cada vez mais degradante. Não apenas para não serem solapados por esta vil realidade. Mas também – principalmente - para serem agentes de transformação.

Uma ação preponderante, além de considerarmos a teoria como ação, é darmos à razão – sem, claro, anular a fé – o valor que ela possui. Falaremos sobre isso em outra ocasião. Até lá!

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