quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A essência da catequese



Matheus Viana

A expressão Catequese vem do latim catechesis que, por sua vez, originou-se da expressão grega catéquesis, também derivada do verbo catequéu que significa instruir a viva voz. A expressão normalmente usada para ensino ou instrução no novo testamento bíblico é didaskalian, que aparece, por exemplo, em II Timóteo 3:16. Portanto, podemos concluir que catequese é uma forma de ensino/instrução.

Deus estabeleceu este método no início da criação quando orientou o ser humano no tocante ao mandato cultural (Gênesis 1:28-29, 2:16-17). Ao chamar Abraão, outra vez utilizou-se dele (Gênesis 12:1-3). Com Moisés não foi diferente (Êxodo 3:1-22). Por isso Jesus começou Seu ministério utilizando-o (Evangelho segundo Mateus 5:1). Os apóstolos, a exemplo do Mestre, também o utilizaram, bem como os pais da Igreja e os reformadores.

É importante analisarmos a primeira catequese de Deus ao ser humano (Gênesis 1:28-29), pois, de certa forma, ela permanece vigente. Os dois primeiros elementos nela contidos são fertilidade e governo/domínio. Não existe governo sem fertilidade. Explico. Esta fertilidade era no tocante à multiplicação da espécie humana. Desejo que, sob o preceito da Nova Aliança, foi elucidado pelo apóstolo Paulo (Romanos 8:29).

A catequese de Jesus a Pedro foi de que a Igreja prevaleceria sobre o mal, chamado na ocasião de “portas do inferno”, mas tal fato era consequência de permanecer em Jesus Cristo, a Pedra angular (Evangelho segundo Mateus 16:18-19, Efésios 2:20-21). A Igreja de Jesus é composta por aqueles que, por serem regenerados pelo Espírito Santo, O seguem de todo coração, de toda alma, de todo intelecto e com todas as forças. Abraham Kuyper (1837-1920), reconstrucionista cristão holandês, definiu: “... a Igreja, em sua essência, é um organismo espiritual, incluindo céu e terra, mas na atualidade tendo seu centro e o ponto de partida para sua ação, não sobre a terra, mas no céu.”[1]
    
Aqui é importante evocarmos a dialética platônica a fim de compreendermos o caráter da Igreja. Platão dizia que tudo o que existe na natureza, que ele chamou de mundo sensitivo, era a representação do que existia na realidade espiritual, que chamou de mundo inteligível/das ideias ou das formas. Assim, a Igreja terrena é – em sua essência e, consequentemente, seu caráter – reflexo da Igreja invisível e espiritual. Pelo menos deveria ser...
    
Esta transcendência, no entanto, não a torna inoperante. O próprio Kuyper afirmou: “A Igreja verdadeira, celestial, invisível deve manifestar-se na Igreja terrena. Se não, vocês terão uma sociedade, mas não uma Igreja. Então, a verdadeira essência e é continua sendo o corpo de Cristo, do qual as pessoas regeneradas são membros.”[2]
    
O mandato cultural de Deus ao primeiro ser humano permanece sobre Sua Igreja. No entanto, ela é o Corpo de Cristo. Sendo assim, Sua essência é o próprio Cristo. É ela que deve determinar Sua ação na terra. Em outras palavras, multiplicar, de modo a ampliar, o governo de Jesus sobre a terra (Evangelho segundo Mateus 28:18-19). Por isso Jesus usou a seguinte metáfora: “Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês. Nenhum ramo pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Eu sou a videira e vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dará muito fruto; pois sem mim nada podeis fazer.” (Evangelho segundo João 15:4-5). Mas, conforme temos visto, a Igreja visível não tem sido fértil ou frutífera como Deus espera. O motivo? Não permanecer em Jesus.
    
Não há como manifestar Sua essência - a vida e o legado do próprio Jesus - sem permanecer Nele. E este permanecer é viver fundamentado em Sua Palavra, pois Ele é a Logos de Deus (Evangelho segundo João 1:1, 5:39). Neste quesito, não há como não evocar um dos princípios fundamentais da reforma protestante, tão negligenciado nos dias atuais: sola scriptura.
    
O Evangelho pleno tem sido substituído por simulacros como teorias motivacionais, auto-ajuda, apelos emocionais e a tão famigerada teologia da prosperidade. Claro que não podemos deixar de citar o movimento gospel. Pois tais coisas são cruciais para encher os templos e fazer com que demoninações tornem-se cada vez mais rentáveis. Prega-se de tudo, de José a Davi entre outros personagens bíblicos, tanto do antigo como do novo testamentos, usados como exemplos motivacionais. Mas Jesus Cristo tornou-se apenas um pano de fundo. Assim, vemos que a Igreja não experimenta uma verdadeira multiplicação de pessoas que vivam conforme à imagem de Cristo de modo a estabelecer Seu governo sobre a terra. Mas apenas um inchaço de pessoas que buscam o bem-estar pessoal e que, por isso, satisfazem-se com qualquer proposta que venha as acalentar.

Como professor, vejo “ao vivo e a cores” a influência do evangelho do entretenimento na vida de alguns dos meus alunos. Cultos de jovens têm se transformado em verdadeiras baladas gospel. Não há comprometimento com a Palavra. Não há responsabilidade. Apenas curtição. “Melhor curtirem uma balada dentro da igreja do que no mundo”. Acredite, já ouvi argumentos semelhantes a este. Conheço até uma música, cujo refrão diz:  “Hoje minha balada mudou. Vai ter ‘rede’ e é pra lá que eu vou.”.

Sim, isto está muito, muito longe do culto racional descrito, com detalhes, na Palavra de Deus. Pois as necessidades juvenis, as mesmas “paixões da mocidade” as quais o apóstolo Paulo adverte seu jovem discípulo Timóteo a renunciar (II Timóteo 2:22) têm sido a primazia e objeto de culto. O mesmo apóstolo declarou: “Onde o Espírito é o Senhor, e onde está o Espírito do Senhor, ali há liberdade.” (II Coríntios 3:17). O mesmo princípio, infelizmente, aplica-se em nossa triste realidade: “Onde a libertinagem, resultado do aflorar das paixões carnais, é o Senhor, ela tem liberdade.”. Nadar contra esta maré é loucura chamada de radicalismo. Eis aqui um louco convicto.


[1] KUYPER, Abraham. Calvinismo; traduzido por Ricardo Gouvêa e Paulo Arantes.  São Paulo: Cultura cristã, 2014. p. 68.
[2] Ibid. p. 71.

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