terça-feira, 11 de abril de 2017

O conhecimento do crucificado




Matheus Viana

“Pois decidi nada saber entre vocês, a não ser Cristo, e este crucificado”.
(I Coríntios 2:2).

O contexto em que o apóstolo Paulo fez esta afirmação era semelhante ao atual. A Igreja em Corinto estava dividida por alguns teólogos que, nas palavras de Paulo, ocupavam, ainda que inconscientemente, o lugar do próprio Cristo no coração de seus seguidores (I Coríntios 1:12). Hoje, ouvimos algumas declarações como: “Sou de Lutero”, “sou de Calvino”, “sou da TMI”, “sou pentecostal”, “sou reformado”, “sou do MDA”, “sou do G12”, “sou universal”, enfim... Há muitas correntes confessionais existentes sob a alcunha de cristianismo. Cada uma delas afirma possuir a Verdade do Evangelho e, por isso, classifica o dissenso de herege.
     
Por outro lado, há os que desconsideram toda a herança histórica da Igreja dizendo “somos de Cristo” como justificativa para se confessarem como desigrejados ou antidenominacionalistas. Com isso, se esquecem do fato de que Igreja não é uma organização denominacional ou instituição humana, mas é a vasta comunidade de pessoas que foram salvas pelo Messias e que O seguem como SENHOR. Além de se considerarem como uma “casta superior” da fé cristã, criam exatamente o que visam destruir: Uma denominação chamada desigrejados.
     
O objetivo de Paulo era acabar com a divisão na Igreja em Corinto. Para isso, era ciente de que teria que mostrar quem Cristo, de fato, era (e É). Esta demonstração, no entanto, não seria realizada segundo os pressupostos humanos que fundamentavam o pensamento e a visão daquela congregação. O que levou Paulo afirmar: “Eu mesmo, irmãos, quando estive entre vocês, não fui com discurso eloquente, nem com muita sabedoria para lhes proclamar o mistério de Deus” (I Coríntios 2:1).
     
Paulo não desconsiderou a racionalidade – que difere de racionalismo - do culto a Deus e do consequente conhecimento da pessoa de Jesus Cristo. Mas descreveu qual era seu fundamento. É notório que Paulo estava dizendo que não usava de artifícios e pressupostos filosóficos para atingir seu objetivo. Ele não tinha sua demonstração do Evangelho alicerçada nas estruturas cognitivas da maiêutica socrática, da dialética platônica ou da lógica, retórica, ética e metafísica aristotélicas, ainda que em alguns momentos utilizou-se deles, como meras ferramentas, em seus discursos. Mas no fazer e ensinar do próprio Cristo. Eis o nosso desafio.
     
A existência dos muitos movimentos doutrinários, que surgiram ao longo da História da Igreja Cristã, se dá pela variedade de elaborações teológicas resultantes de interpretações oriundas dos pressupostos culturais vigentes em cada período. Vários apologistas do período patrístico, por exemplo, na tentativa de elaborar uma ortodoxia fiel ao ensino de Jesus e dos apóstolos, produziram uma teologia permeada de elementos filosóficos gregos, sobretudo platônicos, por serem características do pensamento da época. 
Em relação aos reformadores, é nítido ao analisar a teologia de Lutero, por exemplo, detectar aspectos do nominalismo de Ockham. Herman Dooyeweerd afirmou: “Lutero, o grande reformador, estivera sob a influência do círculo de Ockham durante sua permanência no mosteiro de Erfurt. Ele mesmo declarou: ‘Sou da escola de Ockham’. Sob a influência de Ockham, o motivo religioso básico da natureza e da graça continuou a permear a vida e o pensamento de Lutero.”[1]
     
Ao analisarmos os chamados contratualistas, como por exemplo, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, vemos que, como cristãos, interpretaram as Escrituras de acordo com os pressupostos iluministas da liberdade autônoma e, com isso, elaboraram suas respectivas teorias políticas. O liberalismo teológico do século 19, com todas as nuances de seus proponentes, não fugiu à regra. Em contrapartida, o fundamentalismo, a fim de refutá-lo sacramentando a inerrância das Escrituras e a divindade de Cristo, submeteu as Escrituras às estruturas racionalistas.
     
No século 20, vemos teologias resultantes da tentativa de romper com este racionalismo em um salto de fé pós-moderno. Há também as que submetem as Escrituras às ideologias materialistas, sejam elas de direita ou de esquerda. Personagens como Marx, Gramsci, Mises, entre outros tornam-se chaves hermenêuticas. Assim, Jesus deixou de ser a Logos fundamental de Deus aos homens para se tornar um personagem interpretado e conformado sob tais prismas humanos. Daí o surgimento de um cardápio repleto de “cristianismos” ao gosto de cliente.
     
O Cristianismo genuíno, todavia, tem Cristo como fundamento. Fato óbvio, porém desconsiderado. Nossa vida e a realidade que nos cerca, em todos os seus âmbitos, devem ser submetidas a Ele, e não o contrário, como tem ocorrido. Os modelos de pensamento em voga na época em que Paulo escreveu sua carta aos coríntios, oriundos da filosofia grega, eram resultantes do esforço do homem em conhecer a origem de todas as coisas e, com isso, encontrar sentido em sua vida. Por isso Paulo, a exemplo do que fizera com os estóicos e epicureus em Atenas, apresentou Cristo como esta origem (Atos 17:22-31). Ao dizer que tinha a intenção de pregar Cristo crucificado, quis dizer que Jesus, por ser este arché, é o único Ser que dá sentido ao ser humano e à criação de modo geral.
     
O problema é que, por mais que Jesus Cristo esteja presente nos discursos ditos cristãos, não é considerado como alicerce epistemológico. Na contramão, a verdade que pavimenta tais discursos e qualifica o verdadeiro e o falso é, na realidade, ideologias que O consideram como mero personagem nelas inserido. Assim, Ele é visto, sob o prisma anacrônico do materialismo histórico, como um revolucionário que veio destruir a classe opressora dos fariseus, escribas e saduceus. E, baseados em seu exemplo, devemos destruir toda ordem vigente. Por outro lado, Ele é visto como um “Vale-bênção”, cuja função é suprir todas as expectativas produzidas por uma sociedade consumista. Assim podemos ver que Jesus, ao contrário de ser conhecido e cultuado pelo que É, é conformado aos anseios do sujeito que busca conhecê-Lo.
     
Jesus crucificado é a Verdade que sustenta toda a criação. Todas as coisas convergem Nele (Efésios 1:9-10) por ser Ele a origem e o fim de todas as coisas. Ao falar sobre a veracidade dos livros que falam do Evangelho de Jesus Cristo considerados canônicos, Eusébio de Cesareia, em sua obra História Eclesiástica, relatou algo fundamental. Mateus e Lucas descrevem a origem humana de Jesus. O primeiro descreveu Sua descendência davídica e o outro a descendência adâmica a fim de mostrar que Ele foi o cumprimento da profecia estabelecida por Deus à Eva (Gênesis 3:15). João, por sua vez, descreveu Sua origem divina, o Logos eterno, Criador de todas as coisas. A criação tem sua existência e seu consequente sentido determinados por Jesus. Por isso não conheceremos a verdade sobre nós e sobre onde vivemos a não ser por Ele e pelos absolutos que estabeleceu.
     
A revelação de Jesus como base epistemológica se dá em três aspectos, elucidados por Herman Dooyeweerd: Criação, queda e redenção. A criação só tem sentido diante de seu criador.
     
Senhor Jesus, ensina-me a viver disposto a morrer por ti. (Cf. II Co 4:10).



[1] DOOYEWEERD, Herman. Raízes da Cultura Ocidental: As opções pagã, secular e cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2015. p. 161

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