quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O contraponto da moral

No momento em que a moral humana se desvencilhou da divina, a tragédia foi inevitável. A imoralidade veio à tona, mesmo antes do ato da desobediência. Ela nada mais é do que a ação da moral humana completamente independente, à revelia, da moral divina.

Matheus Viana

Um dos grandes dilemas da humanidade é a definição de “moral”. É consenso que seu exercício é preponderante para a vida em sociedade. Mesmo assim, seu conceito é alvo de severa relativização. Apesar das várias tentativas de conceituá-la, não lograremos êxito se não evocarmos a origem de todas as coisas: Deus, a quem Aristóteles denomina como “ato puro”. Caso seja você ateu, me desculpe. Terás que encontrar o que é, em sua opinião, a origem de todas as coisas.

Talvez seja hábil em diagnosticar moral na energia e na matéria que, segundo os evolucionistas – contrariando a Lei da Termodinâmica –, existiam no espaço-tempo - cujas origens são desconhecidas -, antes do evento chamado “Big Bang”. Talvez na “Bóson de Higgs”, também chamada de “partícula de Deus”, ou no próprio evento do "Big Bang". Boa sorte!

Eu prefiro a via da razão e da coerência desprovidas da ideologia – ou seria crença? – naturalista. Por isso, recorro àquele que existe antes de todas as coisas, como afirma Paulo de Tarso: “Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele. (Colossenses 1:16-17).

Este ser descrito por Paulo não é apenas um ente da física, mas o supremo personagem do cosmo. Nele é impossível não detectarmos a moral. Conforme preconiza a Lei da Termodinâmica, os processos naturais não são gerados de forma espontânea, mas estão sujeitos às leis naturais. Ou seja, estas leis regem, com exímia maestria, a orquestra chamada Universo. Portanto, por serem “leis”, foram criadas e estabelecidas por alguém a quem a ciência chama de Designer Inteligente. Estas leis são demonstrações da moral que há em Deus. Tal moral é explícita no relato da Criação: “Disse Deus: “Haja luz!”, e houve luz”. (Gênesis 1:3). A natureza obedece o comando de Seu Senhor. Obediência é um elemento da moral. Desta forma, Deus criou todas as coisas naturais e viu que tudo era bom (Gênesis 1:31).

A formação do ser humano é repleta de moral. A essência do Criador lhe foi imputada. E ela determinava sua maneira de pensar e agir (Gênesis 2:7). O Espírito de Deus (Sua essência) foi o estabelecimento de Sua moral sobre o ser humano. Mas esta moral é completamente diferente da conotação pejorativa que ela carrega ao longo da história.  A moral de Deus gera liberdade. Ela está explícita na seguinte ordem: “... comerás de todas as árvores do jardim...” (Gênesis 2:16). Somente de uma árvore o ser humano não deveria se alimentar para sua eterna preservação (Gênesis 2:17). As duas árvores existentes no Éden simbolizam as duas morais existentes: a divina – representada pela Árvore da Vida – e a humana – representada pela árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis 2:9). E a imoralidade, ou a má moral? Essa é produto da corrupção da moral humana.

Antes da queda, as morais divina e humana andavam em plena harmonia, pois a humana era determinada – e não forçadamente subjugada, em virtude da existência do livre-arbítrio – à divina. Mas, no momento em que a moral humana se desvencilhou da divina, a tragédia foi inevitável. A imoralidade veio à tona mesmo antes do ato da desobediência. O abandono da moral divina gerou a imoralidade, que nada mais é do que a ação da moral humana completamente independente, à revelia, da moral divina.

Eva, por ser convencida do engano do tentador, travestido de serpente, passou a ver a moral divina como instrumento de repressão e de impedimento a uma suposta liberdade. “Liberdade” pavimentada pela moral humana que culminou no maior de todos os cárceres aplicados à vida: a morte (Romanos 5:12). O ser humano deixou de ser quem era por perder sua substância: à imagem e semelhança do Criador. Foi expulso de seu habitat: o Éden. Perdeu a eternidade, pois passou a ser subjugado pela ‘tânatos’.

Por isso, a partir de então, passou a conviver com a brevidade de seus dias de existência sobre a terra. Mediante tudo isso, reflitamos: a moral humana compensa? Ela realmente traz liberdade? A história da humanidade é a prova cabal do sonoro ‘não’ para ambas as questões. Lembrando que o uso da “moral divina” a serviço das aberrações humanas, como a busca frenética por prestígio e poder, a exemplo do que ocorreu em vários episódios, como as Cruzadas e que ainda é presente em nossos dias; não tem o mínimo teor da moral divina. Nada mais é do que o pus gerado pela ambição humana através  da religião...

Mas acredite, há quem pense o contrário. E não são poucos. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), em seu livro A genealogia da moral, diz: “A redenção do gênero humano (...) está bem encaminhada; tudo se judaíza, cristianiza... A marcha desse envenenamento através do corpo inteiro da humanidade parece irresistível...”. Como um autêntico existencialista, Nietzsche critica e ataca tudo o que, em seu entendimento, impede o ser humano de agir segundo a plenitude de seus instintos. Dissertando sobre o conceito de “bom”, faz a seguinte provocação: “E se no “bom” houvesse um sintoma regressivo, como um perigo; uma sedução, um veneno, um narcótico, mediante o qual o presente vivesse como que às expensas do futuro?”. Para um existencialista, o sentido de sua existência resume-se ao presente. Pois não pode estar preso ao passado nem alienado, de forma letárgica, a um futuro desconhecido, onde não é capaz de prever sua existência.

Por isso, para ele, a moral é um empecilho à vida. E deve ser abatida a qualquer preço (a dissertação sobre “moral” de Nietzsche é bem mais ampla e profunda, mas captaremos aqui uma breve síntese por ser pertinente ao tema abordado). E, pelo fato de ser Deus o autor da moral, o ataca de forma impiedosa. Eis o principal sintoma da insanidade humana.

Além de atacar Deus, Nietzsche coloca em xeque os valores e atribuições de Sua moral. Para ele, a humildade evocada na moral cristã e o amor ao próximo não passam de desdobramentos de covardia oriunda de um medo incontido. Segundo esta perspectiva, moral é o nome que se dá para, além de impedir o ser humano de desfrutar da plenitude de sua existência, a incapacidade de responder aos ressentimentos - que, para ele, geram o ódio e desejo pelo poder – que a vida causa no ser humano.

Esta foi a cosmovisão que o tentador quis impor a Jesus no deserto ao lhe fazer a proposta: “(...) lança-te de aqui abaixo; porque está escrito: Que aos seus anjos dará ordens a teu respeito, E tomar-te-ão nas mãos, Para que nunca tropeces em alguma pedra.” (Evangelho segundo Mateus 4:6). Em outras palavras: “Desfrute de sua existência. Extravaze!”. Jesus, ao contrário de Eva e de grande parte da humanidade, não “mordeu a isca”. Pois era pautado pela moral divina. Por isso, o tentador perdeu e a humanidade ganhou. Jesus venceu a tentação e abriu o caminho para Seu triunfo na cruz, três anos mais tarde.

Nietzsche, ao longo do livro, comete outro equívoco. Afirma que a “moral dos escravos nasce da ‘Não’ ação.". Ou seja, o indivíduo ressentido não realiza nenhum ato de vingança ao seu oponente ou à situação que o aflige. Vejamos:

Jesus, na tentação do deserto, não realizou nenhuma atitude que lhe foi proposta. Contudo, no Getsêmani, horas antes da crucificação, Jesus refletiu sobre o cumprimento de Sua missão: “(...) Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres.” (Evangelho segundo Mateus 26:39). Ou seja, a moral divina o impeliu a obedecer a vontade do Pai e realizar o plano da redenção para a humanidade. E mais. Tal atitude, ainda que contrária ao “ressentimento” de Jesus/homem, fez com que Ele vivesse de acordo com o que era de fato: o cordeiro morto antes da fundação do mundo (Apocalipse 13:8).


Portanto, a moral divina não existe para anular a vivência de nossa existência. Pelo contrário! Existe para restaurar nossa verdadeira identidade: formados à imagem e semelhança de Cristo Jesus, a imagem do Deus invisível (Colossenses 1:15), o varão perfeito (Efésios 4:13).

Nenhum comentário:

Postar um comentário