quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Senhor meu e Deus meu

Matheus Viana

“Disse-lhe Tomé: ‘Senhor meu e Deus meu’". (Evangelho segundo João 20:28).

Lendo esta afirmação, percebo, ainda que tenha certo impacto por se referir a Cristo, o quanto ele é ínfimo perto do significado e caráter contidos na ocasião em que foi feita. Devemos levar em consideração o fato de um judeu fazer tal afirmação para alguém que, três dias antes, fora crucificado pela “blasfêmia” de dizer ser Filho de Deus.

Vemos na narrativa bíblica que os discípulos, incluso Tomé, estavam reunidos às portas fechadas por medo dos judeus (Evangelho segundo João 20:26). Medo de quê? De terem destinos semelhantes ao de Jesus por serem considerados Seus seguidores, o que de fato eram. Pedro chegou a negá-Lo três vezes. Será que também, naquelas circunstâncias, não negaríamos? Em outras palavras, estavam protegendo suas vidas de uma perseguição.

A palavra “Senhor” usada no texto original é Kyrios, versão grega de Adonai, no hebraico. Quando um judeu declara Adonai ou Kyrios, refere-se ao Criador de todas as coisas, o Ser soberano de nome impronunciável (representado pelo tetragrama hebraico YHWH) por ser Santíssimo, o Grande Eu Sou. Esta expressão, pronunciada por um judeu, possui uma reverência que nós ocidentais – principalmente os cristãos pós-modernos, adeptos de teologias bizarras como a da prosperidade – não temos a mínima noção.

O que Tomé fez, de acordo com a cúpula do judaísmo, foi blasfemar contra Deus. Não foi uma blasfêmia qualquer. Ele usou uma nomenclatura sagrada para se referir a alguém cuja blasfêmia, de tão absurda – segundo os judeus -, O levou a ser condenado à morte. Mas qual o motivo de tal afirmação?

Tomé era seguidor de Jesus. Não apenas isso, era contado entre os doze mais próximos Dele. Mas seu nome aparece apenas em quatro ocasiões, algumas relatadas mais de uma vez por diferentes escritores: a primeira quando Jesus escolheu os doze e os enviou para pregar o Evangelho (Evangelho Mateus 10:3), a segunda no relato aqui analisado, a terceira na pesca maravilhosa (Evangelho segundo João 21:2) , e a quarta na ascensão de Jesus e posterior assembleia de oração que culminou na escolha de Matias para ocupar o lugar de Judas (Atos 1:13).

Tomé passou três anos seguindo Jesus. Embora seu nome não apareça no relato, estava presente quando Pedro fez a sublime confissão de que Ele era o Filho do Deus vivo (Evangelho segundo Mateus 16:18). Sim, esta afirmação também era considerada blasfema para a cúpula judaica. Mas Tomé foi além. Não afirmou “apenas” que Jesus é o Filho de Deus, mas que era Kyrios dele e Deus (Theos) dele. É importante analisarmos o que o levou a isso.

É notório que Tomé teve uma ‘experiência religiosa’. A expressão ‘religiosa’ aqui não contém a conotação degradada aplicada em nossos dias e também no exercício dos fariseus que levou Jesus a adverti-los severamente. ‘Religiosa’ aqui fala da experiência profunda com Deus que ultrapassa o nível natural.

Antes de tal afirmação, Tomé viu, assim como os outros, Jesus juntando-se a eles, mesmo as portas estando trancadas. Lendo o texto fazendo uso da dedução lógica, devemos concluir que Jesus atravessou uma das portas ou as paredes. Você decide. Imagine-se nesta situação: os presentes respirando ameaças de morte. O jugo da perseguição pairava no ar deixando-o denso. Respirações aceleradas, o que os deixa ofegantes. De súbito, alguém entra no lugar onde se escondem, mesmo as portas estando trancadas. É óbvio que ficariam espantados com este fato sobrenatural.

Mas isto não foi suficiente para Tomé. Ao ouvir, anteriormente, sobre a ressurreição de Jesus, foi enfático: “Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei”. (João 20:25). É impossível ler este relato sem associa-lo com a afirmação do apóstolo Paulo: “Levo em meu corpo as marcas de Cristo.” (Gálatas 6:17). Tomé tocou as feridas de Jesus, por isso creu. Era, de fato, O Jesus ressuscitado. E sua fé o levou a fazer a sublime declaração. Em outras palavras, Tomé obteve um conhecimento naquele momento maior do que os três anos em que passara com o Mestre. Ele saltou da experiência racional para a empírica.

Passaremos por experiência semelhante quando nos aproximarmos Dele. Para isso, como o próprio Jesus nos diz, devemos tomar, a cada dia, a nossa cruz (Evangelho segundo Mateus 16:24). Pois é esta a aplicação prática que fazemos em relação às nossas vidas para “ver a marca dos pregos em Suas mãos, colocar o dedo nelas e colocar também a mão em Seu lado perfurado”.

Outro aspecto importante e evidente da afirmação de Tomé: um Senhor pessoal. Isso também era algo inadmissível para um judeu. Pois como um homem comum, um simples carpinteiro, afirmava que não apenas falava o que Deus queria que Ele falasse; mas que fazia tudo o que via o Pai fazer (João 5:19), e que era um com Ele (João 17:21)? Para um judeu, a grandeza de Deus O impossibilita de um relacionamento pessoal. E essa foi exatamente a proposta de Jesus. Diminuir Deus? Claro que não. Apenas propiciar o caminho de acesso do homem a Deus (João 14:6, I Timóteo 2:5).

Na contramão de Tomé, muitos não obtêm a revelação do Senhorio de Cristo por não estarem dispostos a “colocar as mãos nas marcas de Cristo”. Pois isso implica tomar a cruz, o que redunda em renúncia. Por sua vez, renúncia é incômoda. O que destoa do caráter do cristianismo em voga (Leia-se pseudo-cristianismo). Ele foi elucidado por A. W Tozer em seu artigo A velha e a nova cruz:

“Uma nova filosofia brotou desta nova cruz com respeito à vida cristã, e desta nova filosofia surgiu uma nova técnica evangélica – um novo tipo de reunião e uma nova espécie de pregação. Este novo evangelismo emprega a mesma linguagem que o velho, mas o seu conteúdo não é o mesmo e sua ênfase difere da anterior. (...)

O evangelismo que traça paralelos amigáveis entre os caminhos de Deus e os do homem é falso em relação à Bíblia e cruel para a alma de seus ouvintes. A fé manifestada por Cristo não tem paralelo humano, ela divide o mundo. Ao nos aproximarmos de Cristo não elevamos nossa vida a um plano mais alto; mas a deixamos na cruz. A semente de trigo deve cair no solo e morrer.”.

Síntese de precisão cirúrgica. Peculiar de Tozer. Dizer mais o quê depois disto

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