quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Interação por instrução

Matheus Viana

A primeira interação de Deus com o homem, após este ser constituído como ser vivente, foi a emissão de Sua bênção e, logo em seguida, uma instrução. A narrativa bíblica é concisa: “Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre os animais que se movem pela terra.’” (Gênesis 1:28).

O que foi este abençoar? O soprar de Seu fôlego de vida (Gênesis 2:7). A partir do momento em que o homem recebe o fôlego divino, torna-se um ser consciente de sua existência. Mas tal consciência, por si só, não foi suficiente para a obtenção da consciência do propósito de sua existência. Algo que ocorre progressivamente e que evidencia a importância da instrução (ensino). É inevitável, diante deste quadro, o seguinte raciocínio: Sei que existo. Mas, por que e para que existo?

Este é o drama que o ser humano busca responder. Ele é a origem de todas as filosofias e ideologias. A instrução de Deus, que nada mais foi do que o revelar de Seu propósito ao homem, foi – e é – a resposta. Por isso o ensino é fundamental em nossa relação com Deus e, consequentemente, com o nosso próximo.

Há características fundamentais na instrução (ensino) de Deus ao homem. São elas: Autoridade e ordem. Tal instrução foi imperativa, e não meramente elucidativa como propõe a pedagogia “laica”. Como resultado da degradante relativização dos absolutos divinos, a autoridade tem sido reduzida a um construtivismo improdutivo, que faz a criança raciocinar apenas sobre suas experiências sensoriais e cognitivas, mesmo que ela não tenha a capacidade de aplicar sentido e significado a elas.

Conforme elucidei no livro Culto racional, a relação com a criação (natureza) é resultado da relação com o Criador. Antes de providenciar-lhe a experiência oriunda da relação com a criação, Deus fez com que o homem se relacionasse com o Criador. E este relacionamento é baseado em Espírito (fôlego de vida) e em verdade (instrução). Foi neste mote que Jesus instruiu a mulher samaritana sobre o culto racional (Evangelho segundo João 4:24). Toda racionalidade sã é resultado da relação do homem com a razão divina (sobrenatural).

Não há pedagogia sem ordem. Deus organizou a criação para colocar nela sua criatura principal. A instrução de Deus foi feita mediante ordens (imperativos) a fim de que o homem, ao recebê-las, as transmitisse a toda a criação. Antes de soprar Seu fôlego de vida sobre o homem, Deus fez seu corpo do pó da terra. Houve uma ordem criacional. E esta ordem, em todos os âmbitos, é oriunda de um imperativo: “Disse Deus: ‘Haja luz!’ E houve luz.” (Gênesis 1:3). A narrativa bíblica é clara. Deus colocou ordem no caos separando luz e trevas e também águas debaixo do firmamento das águas de cima dele (Gênesis 1:4-7).

Este princípio de ordem estava presente na instrução de Deus ao homem. Por sua vez, não existe ordem sem autoridade. Aqui é preciso diferenciar, para conceituarmos ordem, mandato e organização. Toda organização é resultante de um mandato (imperativo), seja ele de nós para nós mesmos ou de terceiros. Um mandato é emitido por alguém que exerce... autoridade. Logo, todo mandato tem como origem o de Deus à Sua criação, incluindo o homem.

A degradação atual, principalmente nos âmbitos social e moral, é consequência da degradação intelectual (considerando implicitamente a espiritual). E esta é resultado da abordagem pedagógica utilizada em nosso contexto. Pois toda autoridade, pelo fato da sociedade contemporânea agir sob a regência do materialismo histórico/dialético, é vista como opressora. Sem autoridade, não há ordem no processo do pensamento, que por sua vez leva ao conhecimento. A dificuldade da presente geração em organizar, de forma sistemática, seus raciocínios e consequentes aprendizagens é a suma demonstração deste caos.

O conhecido provérbio bíblico preconiza: “Ensina a criança o caminho em que deve andar.” (Provérbios 22:6). É notório o fato de que não é possível separar autoridade da atividade pedagógica. São aspectos coesos, implícitos um no outro. É desta autoridade que emana a ordem. Baseado nela, a criança, quando for adulta, não errará sua conduta.

A proposta da serpente ainda ressoa. Ela relativizou, perante Eva, a autoridade de Deus, primeiro transformando-a em autoritarismo; e depois transformando as verdades absolutas em mentiras e vice-versa. Transfiguração de conceitos e valores que o apóstolo Paulo denunciou em sua carta aos romanos (Romanos 1:23-25). A figura do professor em sala de aula está cada vez mais desprovida de autoridade, assim como a dos pais em suas casas.  

Esta autoridade não pode ser confundida com autoritarismo. Vemos que a autoridade de Deus sobre o homem, fundamento de Sua instrução a ele, tinha como intento prover sentido à sua existência a fim de que vivesse de maneira plena. Sem tal instrução, o homem estaria perdido em meio àquele vasto paraíso, pois não saberia o que fazer, muito menos o porquê de estar ali. Não é este o panorama da sociedade pós-moderna?

Sem sentido, o homem está perdido no labirinto de sua existência. Na tentativa de sair deste emaranhado, cria filosofias as mais diversas possíveis. Existencialismo e niilismo são apenas alguns exemplos. Mas não logra êxito em tal empreitada. Pois são filosofias baseadas em pressupostos que ignoram o aspecto principal do pensamento: autoridade de Deus, fonte de toda autoridade (Cf. Evangelho segundo Mateus 28:18-19).

Pensamos porque em nosso cérebro ocorre um complexo processo neural através das sinapses. Este processo obedece as leis e princípios eletroquímicos. Quando este processo “desobedece” estas leis, há desordem. E esta desordem causa males ao ser humano que a possui. O mesmo princípio aplica-se a todo o nosso corpo.

O Universo funciona através de leis físicas. A interação entre elas dá-se por uma ordem. Quando o ser humano pecou, esta ordem foi, de certa forma, comprometida (Gênesis 3:17). Mas a misericórdia de Deus, manifesta através da Graça comum, mantém a ordem no universo, apesar da degradação humana.

Nossa restauração ao padrão original de Deus ao homem inicia-se com o reconhecimento do Senhorio de Cristo sobre nós (autoridade), que a Bíblia chama de arrependimento. E desta autoridade o Espírito Santo tem liberdade para nos restaurar, conforme o apóstolo Paulo escreveu aos coríntios: “Mas todos nós com o rosto desvendado, contemplando como por espelho a glória do Senhor, somos transformados de Glória em Glória, conforme Sua imagem, como pelo Senhor, o Espírito.” (II Coríntios 3:18). Tal restauração é impossível sem instrução.

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