terça-feira, 10 de maio de 2016

Racionalismo irracional

Matheus Viana

“... porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se.” (Romanos 1:21).

Realidade permanente. Eis um paradoxo concernente a ela: o racionalismo moderno é irracional. Explico. Ele é o exercício da razão que considera apenas o ponto de vista natural, anulando completamente o metafísico ou sobrenatural. A questão é que a origem da razão é metafísica. Quando você pensa apenas sobre a perspectiva natural, não vê a realidade por completo. Por isso o naturalismo é considerado reducionista. Uma regra básica da filosofia é a de que aquilo que podemos perceber apenas com os nossos sentidos não é a realidade completa. Mais do que isso: a atividade do pensamento não é possível sem algo sobrenatural. Platão dizia, em sua dialética mundo inteligível (ou das ideias) e mundo sensitivo, que a própria razão é algo além dos sentidos (percepções naturais). Por isso é capaz de analisá-los e julgá-los. No entanto, quem julga e analisa a razão?

Conforme advertiu Allister McGrath: “Não é de se admirar que Blaise Pascal tenha argumentado que existem dois erros fundamentais do pensar: excluir a razão completamente e aceitar nada mais do que a própria razão”[1].

Falemos sobre o segundo erro.

A neurociência analisa a atividade cerebral (ação das sinapses neurais), mas não o pensamento em si (o que causa a ação das sinapses). Pois o pensamento é algo abstrato, por isso metafísico, embora seu resultado possa não ser. A psicologia, em suas várias vertentes, identifica o comportamento do indivíduo e, por meio dele, analisa seu pensamento (a causa do comportamento). Mas não é capaz de analisar a origem do pensamento. Embora o pensamento seja a causa dos comportamentos, ele também é efeito de uma causa. Portanto, qual é esta causa? Assim como o próprio pensamento, ela é metafísica.

Portanto, quando rejeitamos o metafísico estamos, ainda que de forma inconsciente, afirmando a impossibilidade do pensamento como ato. Mas se um indivíduo pensa para elaborar uma sentença racionalista, qualquer que seja, ele está negando algo, por vezes sem perceber, que utiliza. É semelhante a um indivíduo dizer que o ar não existe sem se dar conta de que sem o ar não seria capaz de fazer tal afirmação, ou qualquer outra. Isso é contraditório, ou melhor, autorrefutável. Veja a afirmação: não existe verdade. Como posso acreditar em tal sentença, já que verdade não existe? Deste modo, ela não pode ser... verdadeira. Percebem a contradição? Tal sentença afirma a existência daquilo que ela diz não existir. Isso não é lógico. Não ser lógico é um sintoma de irracionalidade. (Ver livro A racionalidade da fé cristã, de J. P. Moreland).

É este o fundamento do que o homem moderno chama de razão. O apóstolo Paulo, ao analisar a realidade em que vivia, descreveu o fato de que o pensamento das pessoas de seu tempo tornou-se fútil pelo fato de desconsiderar sua origem: Deus. Lembremo-nos da pergunta feita a Jó: “Quem foi que deu sabedoria ao coração e entendimento à mente?” (Jó 38:36).

Ao vermos um bolo em uma forma, não podemos concluir que a forma, por si só, gerou o bolo. Ela apenas recebeu a massa informe e deu-lhe uma forma no sentido estético. A mente humana apenas formula as ideias que temos. Mas de onde elas vêm? A mente não é capaz, por si só, de gerá-las. Apenas dá-lhes formas, que chamamos de pensamento. Lembremo-nos de Descartes (e a origem da ideia de Deus na mente humana, no livro O discurso do método). Verdade que não pode ser desconsiderada da razão.

Como não é possível negar Deus fazendo uso da razão, os que estão firmes neste vil e insano intento visam condicionar o comportamento do ser humano de modo que ele aja sem o uso da razão. (ver o livro Maquiavél Pedagogo, de Pascal Bernardin).

A valorização do sentimento em detrimento do pensamento é consequência deste fato. Os jovens de hoje não são movidos por ideias, mas por sentimentos. Isso é refletido, por exemplo, na música. O estilo emocore, comum entre o público infanto-juvenil, é a suma – embora não seja a única - demonstração. A música funk é composta de letras que, regidas pelo ritmo característico, despertam apenas os impulsos sexuais do ouvinte. Não há necessidade de pensar (refletir) sobre que o está sendo dito, tampouco sobre os valores e as consequências de suas ações. Há apenas a de ouvir e, levado pelo balanço, fazer o que a música condiciona o ouvinte: prática da luxúria (leia-se relações sexuais desenfreadas) e da ostentação.

Neste ímpeto, surge o vale-tudo, já que a forma de pensamento vigente desconsidera Deus e, com isso, relativiza absolutos éticos e morais. Se a música diz que tenho que ostentar riquezas para ser aceito na sociedade a qual vivo, e isso determina meus sentimentos (desejos), os fins passam a justificar os meios. Delinquência juvenil não é mais vista como algo errado a ser tratado desde a raiz e devidamente punido caso necessário. Mas uma mera característica da juventude moderna, como experiências “necessárias” para sua formação como cidadão. Absolutos biológicos são relativizados em detrimento do subjetivismo construcionista. Em contrapartida, comportamentos passam a possuir caráter genético.

Há uma linha ideológica (teoria Queer) que preconiza que gêneros sexuais são construções sociais impostas sobre indivíduos. Por isso, a pedagogia moderna diz que é necessário que os pais e educadores não construam comportamentos e costumes éticos que possam determinar o gênero das crianças, mas deve deixá-las escolher o que querem ser por elas mesmas. Se alguém nasce com a ordem cromossômica xy, com todos seus atributos, por exemplo, isso não quer dizer que ele seja do sexo masculino. Ele decidirá quando lhe for conveniente. Desta forma, como devemos classificar tal indivíduo? Não deve classificá-lo sob nenhuma “nomenclatura de gênero”, pois qualquer classificação é vista como um instrumento de opressão. Viva a ideologia marxista nos moldes gramscinianos. É a descaracterização do ser humano, fruto da absurda relativização que temos vivido. E esta escolha de gênero é pautada pelos sentimentos do indivíduo. Não há lugar para razão, pois ela evoca padrões biológicos e antropológicos. E qualquer padrão é... instrumento de opressão. Mas tal afirmação, apesar de equivocada não é, em si mesma, um padrão? 

Mas paralela a esta engenharia social, temos a teoria do gene gay, que preconiza que a homossexualidade é congênita. Note que, para tal apologia, usam aquilo que outrora negam: o absoluto genético. Pois, neste caso, é um absoluto genético que determina quem ele é. E, se ele nasce assim, qualquer tentativa de querer muda-lo, mesmo que ele queira, é vista como uma imposição (leia-se opressão) social que deve ser rechaçada. Que o diga a psicóloga Marisa Lobo. Note que não há nenhum critério. Para fundamentar o relativismo moral e alcançar o objetivo de descaracterizar o gênero humano, fazem uso do sentimentalismo e refutam as leis genéticas. No caso do gene gay, desconsideram o sentimentalismo e a livre escolha do indivíduo para recorrerem ao caráter absoluto das leis genéticas. A incoerência é flagrante. Isso é sintoma de irracionalidade, ou melhor, de insanidade nua e crua. É isso que o apóstolo Paulo nomeou de pensamentos fúteis.

Leia também: Cérebro e religião.

Nenhum comentário:

Postar um comentário