sábado, 30 de novembro de 2013

Discernindo a voz do Bom Pastor

Matheus Viana

Ao lermos as narrativas sobre a incredulidade dos fariseus em relação ao ministério de Jesus, precisamos confessar: somos rápidos em proferir juízo. No entanto, algo que atenua esta má conduta farisaica é o fato de que, nos dias de Jesus, houve vários homens que declaravam ser o Messias.

Gamaliel, mestre fariseu de renome e um dos principais membros do Sinédrio (além de ter sido o mestre de Paulo), citou, em seu parecer sobre o que a cúpula judaica faria com Pedro e João por pregarem sobre Jesus, dois destes homens: Teudas e Judas, o Galileu (Atos 5:36-37). À semelhança deste fato, temos visto ribombando pela Igreja, em todo o mundo, pessoas que se declaram profetas e apóstolos do Messias. Não, não são “falsos profetas”. Apenas pleiteiam o exercício de uma autoridade além da que lhes é lícita. Por isso, exigem que seus ensinos e discursos sejam recebidos como se fosse o próprio Jesus falando, o que gera grandes equívocos e problemas contundentes.

Na tangente desta triste realidade, temos a advertência de Jesus de que Suas ovelhas conhecem Sua voz (Evangelho segundo João 10:2-4). Não foi a toa que, falando sobre os falsos profetas, – agora sim - Jesus disse que eles enganariam a muitos e, se fosse possível, até os salvos (Evangelho segundo Mateus 24:4-5). Ou seja, as ovelhas do Bom Pastor discernirão Sua voz por conhecê-la e, de forma alguma, seguirão uma voz estranha (Evangelho segundo João 10:5).

Um dos aspectos usados para discernirmos a voz do Bom Pastor é o Seu aprisco (Igreja). Conforme Jesus disse, apenas Suas ovelhas reconhecem Sua voz em meio a tantas outras. Suas ovelhas, no entanto, são aquelas que habitam em Seu aprisco. Um dos motivos que levou os judeus a se tornarem “vasos para desonra”, conforme o apóstolo Paulo elucida em Romanos 9, é o fato de que eles não quiseram se juntar a tal aprisco, ou seja, ao cajado do Messias, Jesus. Embora, na ocasião, Jesus tenha usado a figura metafórica da galinha com seus pintinhos, e não do pastor com suas ovelhas (Evangelho segundo Mateus 24:37-39). Mas a mensagem é a mesma.

O fundamento da Igreja é Cristo (Evangelho segundo Mateus 16:18, Efésios 2:20-22). Verdade irrefutável. Uma característica significativa que Jesus aponta é a de que apenas o Pastor entra pela porta deste aprisco. Não há como não evocar o salmo davídico: “Levantai ó portas, as vossas cabeças, para que entre o Rei da Glória.” (Salmo 24:7-10). Há também a advertência de Jesus à Igreja em Laodiceia: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém abrir a porta, eu entrarei e cearei com ele.” (Apocalipse 3:20). Neste contexto, esta “porta” refere-se ao nosso coração. 

Mas esta porta também se refere à nossa mente (modo de pensar). Não é em vão que Davi diz que nós, as portas, devemos levantar as “nossas cabeças”. É neste mote que o apóstolo Paulo elucida sobre a necessária renovação de nossa mente para que possamos experimentar a salvação, ou seja, a boa, perfeita e agradável vontade de Deus (Romanos 12:2). O termo “mente” no original é nous (inteligência/intelectualidade). Isso explica o Shemá (Deuteronômio 6:4-5), citado, em parte, por Jesus em seu debate com os saduceus: “Amarás o Senhor vosso Deus de todo coração, de toda alma e com todo entendimento.” (Evangelho segundo Mateus 22:37). Sendo assim, somente reconhecerá a voz do Bom Pastor aquele que abrir a porta (coração e mente) de sua vida para que apenas – e mais nada, nem ninguém – Jesus entre por ela. Algo que implica em pensarmos, sentirmos e agirmos como Ele. Ou seja, em Seu pleno senhorio sobre nós, lembrando que a soberania de Deus nada tem haver com tirania.

A partir do momento em que o Bom Pastor - que é a própria porta (Evangelho segundo João 10:7) - entra pela porta do aprisco, ele – o aprisco - passa a refletir Sua imagem, ou melhor, Suas características. Uma delas é a humildade. Humildade não é pobreza. Há pobres arrogantes e ricos humildes, é verdade. Mas um fato inquestionável é que ostentação e humildade são indissociáveis. Não é possível um “aprisco” ser ostentador e querer, contra a lógica, exercer a humildade. Sim, a teologia da prosperidade é completamente contrária à humildade de Cristo. Tenho ouvido com tristeza, ao longo de mais de uma década, pessoas se esforçando para possuírem bens e riquezas com o “louvável” intuito de “dar testemunho da ação de Deus em sua vida”, ignorando desta forma as advertências de João (I João 2:15), de Paulo (Efésios 6:9-11) e do próprio Jesus (Evangelho segundo Mateus 6:24, Evangelho segundo Lucas 18:22-23 e 25).

Jesus preconiza: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração.” (Evangelho segundo Mateus 11:29). Na carta aos filipenses, Paulo elucida a humildade incorporada e exercida por Jesus (Filipenses 2:6-9). Ele se tornou um doulos, ou seja, um escravo. Isso mesmo! O Rei do Universo tornou-se escravo em prol de pecadores. Não é de hoje que vejo um triunfalismo ufanista – o pleonasmo é proposital – na boca de cristãos que usam textos bíblicos para o fundamentar. O trecho das Escrituras mais utilizado, lamentavelmente, é: “Não te colocarei como cauda, mas como cabeça.” (Deuteronômio 28:13), e se esquecem de que o caráter neotestamentário, inaugurado no advento da encarnação de Jesus Cristo, o Bom Pastor, é pavimentado no serviço. Não se trata de “radicalismo” ou “legalismo”, adjetivos que frequentemente são relacionados à minha pessoa. Mas no ensinamento do próprio Jesus (Evangelho segundo Mateus 20:26-28).

Outra característica do aprisco do Bom Pastor é que ele é composto por ovelhas comissionadas a agir fora de seus limites. Por isso Jesus adverte: “As ovelhas reconhecem a sua voz quando ele as chama pelo nome, e ele as leva para fora do curral.” (Evangelho segundo João 10:3). O diálogo e ação da Igreja no mundo, visando influenciá-lo, não são alternativos, mas fazem parte do Ide (Evangelho segundo Marcos 16:15) e da ordem de fazer discípulos (Evangelho segundo Mateus 28:19). Qual tem sido a relevância social da Igreja? A resposta é mais que sabida.

Algo importante de se atentar é que o Bom Pastor coloca as ovelhas para fora, mas estas O seguem. A ação da Igreja no mundo ao qual está situada (Evangelho segundo João 17) não pode tirar o foco do autor e consumador da fé (Hebreus 12:2). Não é em vão que o apóstolo Paulo declara: “Prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” (Filipenses 3:14). Este seguir a Jesus possui várias implicações. O primeiro é o padrão ético. O segundo é seu discipulado que consiste em cruz.

Para finalizar, a principal maneira de ouvir a voz do Pastor é através de Sua Palavra. Falando aos fariseus, Jesus diz: “Examinais as escrituras, pois elas de mim testificam.” (Evangelho segundo João 5:39). Eraynate tas graphas é a frase no original. A palavra eraynate é traduzida como "estudar" e também como "perscrutar". Podemos ver nesta expressão, portanto, a importância da coesão entre o natural e o espiritual; o uso da razão humana e a ação do Espírito Santo na vida do ser humano. Em relação ao uso da razão, conforme vimos anteriormente, o apóstolo Paulo nos alerta sobre isso quando nos adverte sobre a transformação na nossa maneira de pensar (Romanos 12:1-2). E em relação à ação do Espírito em nós, o mesmo apóstolo elucida que ninguém pode perscrutar a mente de Deus a não o Seu próprio Espírito que nos revela (I Coríntios 2:11-12). Jesus sintetiza este fato dizendo: “Mas o Consolador, o Espírito Santo, virá em meu nome, vos ajudará, vos ensinará, e vos fará lembrar de tudo o que  tenho dito.” (Evangelho segundo João 14:26).

Ouçamos e sigamos a voz do Bom Pastor, somente a dEle.

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