segunda-feira, 8 de julho de 2013

Salve geral

Matheus Viana

Jesus certa vez afirmou: “Eu não vim chamar justos, mas pecadores”. (Evangelho segundo Mateus 9:13). A circunstância em que Ele proferiu tal frase é relevante: estava comendo com publicanos e com os considerados “pecadores” pela cúpula religiosa por não cumprirem a Lei de Moisés. Algo repugnante para os fariseus. Aproveitando o ensejo, Jesus advertiu-os: “Vão aprender o que significa isto: ‘Misericórdia quero, e não holocaustos.’”.

Sabemos que a principal missão que Jesus veio estabelecer foi Sua misericórdia, que é a plena manifestação da Graça de Deus ao ser humano (I João 4:10). E esta, segundo o próprio Cristo, foi – e é - predestinada (Apocalipse 13:8) a um público exclusivo que alguns chamam de “os escolhidos”. Jesus o chamou de “pecadores”.

Se este público a qual a soberana Graça de Jesus está predestinada é dos pecadores, logo ela está predestinada a TODOS (o maiúsculo é proposital) os homens. Pois, conforme o apóstolo Paulo afirma: “Todos pecaram, e destituídos estão da Glória de Deus.” (Romanos 3:23). Davi afirma que já nascemos em pecado (Salmo 51:5). Fato que Calvino, em sua teologia reformada, nomeia de ‘Depravação total’, ou seja, o pecado original fez com que toda a natureza terrena fosse corrompida e, consequentemente, todo ser humano tornou-se pecador. O apóstolo Paulo descreve este processo quando diz: “Por um só homem veio o pecado, e pelo pecado a morte, e a morte passou a todos os homens.” (Romanos 5:12).

Um dos textos usados à exaustão pelos predestinistas radicais (que defendem a ideia de que Deus escolheu, antes da fundação do mundo, uns para serem salvos e outros para perecerem no inferno) é o de Salmos 53:1-3, que o apóstolo Paulo cita em sua carta aos romanos: “Não há nenhum justo, nem um sequer, não há ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus. Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há um sequer”. (Romanos 3:10-12).

É um equívoco dizer que Paulo aqui emite a mensagem de que ninguém é capaz de escolher ou fazer o bem por si mesmo. Pois pensar desta forma, torna incoerente a advertência de Jesus que diz: “Aquele que quiser me seguir...”. (Evangelho segundo Mateus 16:24). Se não podemos escolher seguir a Cristo por conta da depravação total oriunda do pecado, por que Ele fez tal advertência? Seria semelhante eu escrever uma carta para uma pessoa que sofre de deficiência visual (cegueira) e pedi-la para que a lesse. Não devemos nos esquecer da orientação que Jesus dá aos Seus ouvintes quando diz: “Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar coisas boas aos filhos...”. (Evangelho segundo Mateus 7:11). Para maiores detalhes, leia o texto: Volição humana.

O que Paulo elucidou é que todo ser humano é pecador. O apóstolo João disse que aquele que nega tal situação, engana-se a si mesmo e a verdade não está nele (I João 1:8-10). Por isso, antes de citar trechos do salmo 53, Paulo diz: “Já demonstramos que tanto judeus quanto gentios estão debaixo do pecado.” (Romanos 3:9). Mediante tais afirmações, façamos o seguinte silogismo:

Todos os seres humanos são pecadores;
Jesus veio estabelecer Sua misericórdia e Graça aos pecadores;
Logo, Jesus veio estabelecer a misericórdia e Graça a todos os seres humanos.

O próprio texto usado pelos predestinistas radicais (não me refiro a todos os reformados) na tentativa de dizer que ninguém, por si mesmo, pode escolher a Deus, a fim de ratificar que os que “escolhem” a Deus na verdade não escolhem, mas recebem a Graça irresistível por serem os “escolhidos”, contraria a doutrina que eles defendem. Pois ele fundamenta a verdade de que todos somos pecadores e, por isso, alvo da misericórdia de Jesus como Ele mesmo afirma.

Alguns podem citar o texto em que Jesus diz: “Muitos são chamados, mas poucos escolhidos.” (Evangelho segundo Mateus 22:14) como argumento para defender a predestinação radical. No entanto, uma regra principal da hermenêutica bíblica é considerar o contexto ao qual o texto a ser interpretado está inserido. Jesus falava a respeito da parábola das bodas (do casamento), onde pessoas consideradas dignas foram convidadas, mas não quiseram (volição humana) ir (Evangelho segundo Mateus 22:3).

Então, o noivo solicitou que os servos chamassem aos que não eram considerados dignos e eles compareceram ao casamento, enchendo a sala do banquete (Evangelho segundo Mateus 22:10). Ao contar tal parábola, Jesus não quis dizer que entre os muitos chamados, apenas os “predestinados” serão escolhidos. Mas sim que, entre os chamados, muitos não aceitarão o convite. Dizer que o fato de não aceitarem é desdobramento de estarem fadados ao inferno é fazer da volição humana um mero teatro. E sabemos que Jesus considerou sua importância, claro, submissa à vontade do Pai.

Eis a síntese, o “salve geral”: Jesus veio chamar os pecadores. Sendo assim, veio chamar a todos. Se alguns rejeitarão Seu chamado... Bem, isso é outra história.

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