sábado, 5 de maio de 2012

O holocausto da pressão


O holocausto que Deus deseja receber não é fruto de pressão, mas sim de amor e devoção.

Matheus Viana

O rei Saul ofereceu um holocausto a Deus (I Samuel 13:9-10). Uma atitude espiritual. Em meio a uma guerra - contexto em que Saul vivia - tal ato pode significar dependência de Deus. No entanto, será que era este o sentimento que permeava seu coração? Uma breve análise constata que não.

Saul fez a coisa certa, mas do modo errado e na hora errada. O motivo foi único: se viu pressionado. “Quando vi que os soldados estavam se dispersando e que não tinhas chegado no prazo estabelecido, e que os filisteus estavam reunidos em Micmás, pensei: agora os filisteus me atacarão em Gilgal, e eu não busquei ao Senhor. Por isso senti-me obrigado a oferecer o holocausto”. (I Samuel 13:12).

Mas o que levou Saul a se sentir pressionado? Os motivos são explícitos. O primeiro deles é que ele queria ganhar a guerra. Os soldados do exército que comandava estavam com medo. Sentimento que culminaria em derrota. Em sua visão, oferecer um holocausto os encorajaria. Contudo, por que Saul queria ganhar a guerra?

Apesar da obviedade do objetivo, é pertinente e necessário refletirmos sobre seus intentos. Queria Saul glorificar o Deus de Israel? Talvez. Perpetuar seu reinado sobre Israel? Bingo! O profeta Samuel, ao exortá-lo, desnuda seus objetivos ocultos: “Disse Samuel: 'Você agiu como um tolo, desobedecendo ao mandamento que o Senhor, o seu Deus, lhe deu; se você tivesse obedecido, Ele teria estabelecido para sempre o seu reinado sobre Israel'”. (I Samuel 13:13).

Deus reprovou o holocausto de Saul pela maneira e o motivo que o levaram a oferecê-lo. Saul quis, em nome do Deus de Israel e no meio do seu povo, edificar seu reino particular. Deus não tolera tal coisa. Vemos neste episódio duas realidades que assolam a Igreja atual: edificação de reinos particulares e pressão para oferecer “sacrifícios” no tempo indevido.

Comecemos pelo segundo ponto. Saul aguardou o período estabelecido pelo profeta Samuel: sete dias. (I Samuel 13:7). Sob este prisma, ele foi obediente. Foi o profeta que se atrasou. E a justiça de Saul não tolera atrasos. “Pontualidade” que lhe custou o reinado. Ela representa a justiça que pavimenta o “senso de urgência” humana. A alma de Saul ribombava: “O exército está com medo. Vamos perecer na batalha. O nome de Deus, o Senhor dos Exércitos, será envergonhado”. Argumentos que levaram Saul a cometer um ato, embora de aparência espiritual, precipitado e equivocado.

Argumentos diferentes, mas munidos do mesmo caráter, ribombam sobre o âmago da Igreja: “Vidas estão perecendo e indo para o inferno. A Igreja está apática, precisa acordar. O fim dos tempos está chegando, e....”. Holocaustos indevidos são oferecidos a Deus por conta de uma pressão tresloucada do “Evangelho em caráter de urgência”.

Sim, o apóstolo Paulo preconizou, por várias vezes, sobre a urgência de pregarmos o Evangelho do Reino de Deus. Ao seu discípulo Timóteo, advertiu: “Pregues a palavra, instes a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina. (II Timóteo 4:2). Ensinando cristãos em Roma, exortou: “A ardente expectativa da criação aguarda pela manifestação dos Filhos de Deus”. (Romanos 8:19). No entanto, o mesmo homem que tinha tamanha consciência do senso de urgência é o mesmo que diz: “Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento. Por isso, nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento.” (I Coríntios 3:6-7).

Jesus elucidou sobre o caráter e o processo de colheita do Evangelho em uma de suas parábolas: “E dizia: O reino de Deus é como se um homem lançasse semente à terra. E dormisse, e se levantasse de noite ou de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo ele como.” (Evangelho segundo Marcos 4:27). Apesar da pressão que homens fazem por conta da “urgência”, o tempo da colheita não lhes pertence, mas somente a Deus. Sim, devemos ser conscientes da urgência em plantarmos esta preciosa e necessária semente em todo tempo. Mas neste senso não cabe a pressão. O holocausto que Deus deseja receber não é fruto de pressão, mas sim de amor e devoção.

Samuel não chegou a Gilgal no tempo determinado. Isso denota sua falta de responsabilidade? Se você acha que sim, acreditas que o erro de Samuel dava autoridade para Saul oferecer um holocausto sem a presença do profeta? Se sim, sinto lhe informar: você está errado! Deus se move por Seus princípios. Apenas um sacerdote poderia oferecer holocausto a Deus (Levítico 6:12). Samuel, além de profeta, era juiz e sacerdote. 

Mas Saul se viu munido de uma autoridade que não lhe pertencia por se sentir pressionado. Pois teria que ganhar a guerra a fim de perpetuar – edificar – seu trono sobre Israel. Apesar de seus esforços, Deus o rejeitou como rei. Deus não aceita servos pressionados. É melhor obedecer Seus princípios e Sua vontade – incluindo dons, ministérios e chamados plurais e específicos, de modo a respeitar a unidade orgânica da Igreja salientada pelo apóstolo Paulo em I Coríntios 12 – a nós, do que sacrificar (I Samuel 16:22).

Por isso, entre atender a pressão de homens de modo a me sacrificar e obedecer ao chamado de Deus à minha vida de pregar o Evangelho através da escrita e do ensino da Bíblia às crianças e jovens como professor de educação bíblica, eu prefiro obedecer. Quero oferecer a Deus um holocausto que seja fruto de meu amor por Ele, e não resultado da pressão. 

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