terça-feira, 17 de maio de 2016

Religião e a condição humana

Matheus Viana

Não há prática correta sem ensino correto. Não há ensino correto sem pensamento (razão) correto. Não há como definir o que seja correto sem os conceitos de certo e errado. E eles não existem sem absolutos, também chamados de verdades universais. Eis, portanto, nosso objeto de reflexão: o pensamento moderno diz que tudo é relativo. Tal afirmação, por sua vez, é absoluta ou relativa?
    


Se tudo é relativo, tal afirmação também é. Assim, não deve ser considerada como verdadeira. Se é absoluta, então é indício de que absolutos existem. Temos, portanto, uma contradição de termos. Pois é, em essência, exatamente aquilo que afirma não existir. Eis o cúmulo da incoerência. Tal consideração é baseada em uma crença. Crença é desdobramento de , também chamada por William James de hipóteses funcionais.
    

Não há como desvencilhar ação humana de fé. Por sua vez, não é possível desvencilhar ou hipótese de pensamento. Não existe pensamento desprovido de . Só posso pensar – no intento de conhecer - a respeito de algo ou alguém, seja ele concreto (físico) ou abstrato (metafísico). E tal pensamento parte da premissa de que este ser – o objeto de meu pensamento – existe, ainda que seja apenas em minha imaginação. Ou seja, eu preciso crer na veracidade desta premissa. A questão é: sobre quais bases está o pensamento que determina as ações do ser humano atual?
    
Desde seus primórdios, o ser humano tem seu pensar e agir permeados pela religião. Não me refiro ao caráter institucional e reducionista ao qual o termo se apropriou no decorrer da história. Mas ao que João Calvino chamou de senso de divindade (sensus divinitatis). As civilizações mais antigas registradas na história exerciam atividades religiosas. Bertrand Russell afirmou tal fato:

“O Egito e a Mesopotâmia, como sociedades agrícolas, cresceram nas margens dos grandes rios e seus governantes eram reis divinizados, uma aristocracia militar e uma poderosa classe de sacerdotes que presidiam os complexos sistemas religiosos politeístas.” [1]

O conhecimento que elas tinham sobre a realidade a qual viviam era determinado pelos absolutos preconizados por seus antepassados. Tais absolutos eram oriundos da crença em seres sobrenaturais, denominados deuses. Tal fato denota algo crucial: a necessidade do ser humano de se religar a algo ou alguém além dele e de sua realidade. Este é o sensus divinitatis do homem em relação a Deus ao qual Calvino se referiu. Quando falo de religião, refiro-me a esta necessidade. Algo inegável.
    
No afã de supri-la, o ser humano criou, e ainda cria, vários deuses, também chamados de ídolos. Eles podem ser concretos ou abstratos. O iluminismo do século 18, por exemplo, colocou a razão como deus/ídolo. O ateísmo coloca o naturalismo em tal patamar. Os comunistas colocaram Karl Marx nesta posição. Por isso, seu materialismo histórico, fundamento da leitura social pela lente da dialética opressor/oprimido e o humanismo que dela emana, para eles, têm caráter dogmático e, assim, são tratados como doutrinas as quais tornam-se devotos. Os libertarianos colocam a liberdade, desprovida de qualquer autoridade ou ente regulatório, como deus ou ídolo. Apesar de objetos e devoções diferentes, todas têm algo em comum: a necessidade religiosa.
    
Mas qual a origem desta necessidade? Seria ela desdobramento da evolução? Antes de mostrar os argumentos que baseiam a resposta negativa, consideremos, hipoteticamente, a positiva. Se o senso religioso é fruto da evolução, ela ainda demanda o ponto original de onde começou a se desenvolver. Seria ela fruto do desenvolvimento das moléculas e suas respectivas adaptações ambientais, conforme preconizou Darwin? Se sim, como um senso natural cria, ainda que num processo evolutivo, a necessidade de se religar a algo sobrenatural e ela, por sua vez, pautará sua ação no meio em que vive? Seria ela algo necessário para a sobrevivência das espécies? Se não, por que ela se desenvolve no ser humano? Se sim, qual a explicação de um ente puramente natural buscar um atributo sobrenatural necessário para sua sobrevivência? Se alguém disser que na verdade este senso foi se formando ao longo dos vários estágios da evolução, em qual estágio o desenvolvimento desta necessidade religiosa teve início?
    
Passemos, então, para outro prisma. Queria me dispor de mais tempo para apresentar a problemática de dizer que o senso moral e a origem do ato do pensamento, por exemplo, nada mais são do que construções sociais, mas farei em outra oportunidade.
    
O ser humano foi formado por Deus com um propósito. Foi munido, entre outros atributos, de racionalidade para que pudesse compreender a ética e o propósito estabelecidos por Ele à sua vida: Governar (cuidar e desenvolver) de toda a criação. Ou seja, atividade cultural. Ambos, portanto, seriam realizados como consequências de seu relacionamento com o Criador, o que é chamado de Culto racional. Por isso Deus, apesar de conceder-lhe o livre-arbítrio, colocou sobre ele a necessidade de se relacionar com seu Criador. Mas num determinado momento, este relacionamento (culto) foi quebrado. Mas a necessidade permaneceu. O objeto de culto foi substituído pelo homem quando a vontade de Deus foi preterida em relação a uma proposta contrária. O ídolo passa a ser o próprio homem, conforme Feuerbach preconizou. É o início da egolatria humana. A essência foi perdida.
    
Perdido em seu labirinto existencial, sem a referência do Criador pautando sua vida, o objeto que o ser humano passa a cultuar será ele mesmo ou uma “divindade” gerada por ele. E são os absolutos sobre estes ídolos que passam a determinar o seu pensamento e suas consequentes ações.
    
Diante disso, reflita: Qual é o seu objeto de culto? Lembrem-se, todos têm um. Até mesmo os ateus, cujo deus, para muitos deles, é o próprio ateísmo. Quais são os absolutos que pautam seus pensamentos? Quais pensamentos determinam suas atitudes? Quais as consequências de suas atitudes para o mundo em que vivemos? Refletir em tais questões é refletir em cultura.


[1] RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental; Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013. p. 14.


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