quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Um menino de oito dias

O oitavo dia é o dia em que renunciamos toda liturgia religiosa para recebermos a circuncisão que não é na carne, mas no coração (Romanos 2:29). E, a partir de então, recebermos, um dia após o outro, a identidade que Ele estabeleceu a nós.

Matheus Viana

Imagine o drama! Uma aglomeração de vizinhos e parentes dos pais de um menino que nascera há oito dias. Prestes a ser circuncidado, conforme preconiza a cultura judaica, os presentes queriam batizar-lhe com o nome do pai, Zacarias. (Evangelho segundo Lucas 1:58).

“Nada disso!”, vociferou Isabel, a mãe do bebê. “Ele deve ser chamado de João”. (Evangelho segundo Lucas 1:60). No entanto, aquela pequena multidão foi rápida no gatilho: “Não há ninguém na tua parentela com este nome.”, alguém argumentou. Mas Zacarias, impossibilitado de falar, pegou uma tábua e emitiu o veredicto: “João é o seu nome”.

Embora pareça um fato meramente cotidiano, ele carrega em seu bojo uma verdade poderosa. Não era em vão que os pais do menino queriam lhe dar o nome de João. Mas sim por obedecer a profecia previamente proclamada: “Disse-lhe, porém, o anjo: Zacarias, não temas, porque a sua oração foi ouvida; e Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho a quem darás o nome de João”. (Evangelho segundo Lucas 1:13).

O nome João carregava sobre si um chamado, uma peculiaridade fundamental para o estabelecimento da vontade divina sobre a Terra. “E irá adiante dele no espírito e poder de Elias, para converter os corações dos pais aos filhos e dos filhos aos pais, converter os desobedientes à prudência dos justos...”. (Evangelho segundo Lucas 1:17).

Mas para que tal profecia fosse cumprida, algo deveria acontecer. O fato daquele menino de oito dias não receber o nome de batismo de seus antecessores simboliza o surgimento de um novo sacerdócio que deve romper com a tradição religiosa, não se limitar ao templo e renunciar a liturgia sacerdotal para ser a voz do que clama em meio ao deserto da desolação humana (Evangelho segundo Lucas 3:4).

Este menino de oito dias era descendente de Arão por parte de pai e mãe. Mas só poderia cumprir a plenitude da profecia que pairava sobre sua vida se rompesse com todo tipo de tradição. Seu nascimento se deu após 400 anos de silêncio profético, o que fez, entre outros fatos, o sacerdócio se corromper.

Deus estava enojado da corrupção político-religiosa que os sumo-sacerdotes compartilhavam com o império romano. Enquanto alimentavam suas cobiças e volúpias, o povo vivia num verdadeiro deserto existencial, na expectativa do surgimento do Messias.

Por isso, assim como Jesus se desfez de Sua glória e se tornou homem a fim de comunicar o Evangelho do Reino (Filipenses 2:6-9), João, o menino de oito dias, precisou abandonar o ritualismo sacerdotal e fazer a voz de Deus, restrita ao templo, ser ouvida no deserto. O fato de muitos se dirigirem ao deserto para ouvir e serem batizados por João é a suma demonstração da realidade interior que os assolava.

É exatamente por isso que Deus estabelece o seguinte chamado ao menino de oito dias, antes mesmo de seu nascimento: “Voz do que clama do deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. Todo vale será aterrado, e nivelado todos os montes e outeiros; os caminhos tortuosos serão retificados, e os escabrosos, aplainados”.

O chamado que repousava sobre os seus ombros era o de restituir os padrões morais em linear processo de degradação, estabelecer a justiça em todos os níveis e trazer a necessária restauração familiar. Tudo isso, claro, desdobramentos do arrependimento e da submissão ao Evangelho do Reino dos Céus.

Vivemos em um contexto semelhante. Deus, em pleno século XXI, ainda clama deste deserto. Ele espera que este novo sacerdócio (Evangelho segundo Mateus 17:11, I Pedro 2:9, Apocalipse 1:6) continue o ministério exercido por João, o Batista, até sua prisão e consequente morte pelo rei Herodes. Mas, para isso, devemos renunciar toda e qualquer tradição obsoleta da religião (como por exemplo, rudimentos judaicos, e não as bases históricas do Cristianismo) e recebermos a renovação que Deus deseja, todos os dias, estabelecer sobre nós. Não é a toa que Jesus nos adverte que somente odres novos recebem vinho novo (Evangelho segundo Mateus 9:17).

Um menino de oito dias. Oito. Deus criou o mundo e tudo o que nele há em seis dias, descansou no sétimo e no oitavo... A Bíblia não diz. O oitavo dia é o dia do renovo de Deus. É o dia em que renunciamos toda tradição da Lei para recebermos a circuncisão que não é na carne, mas no coração (Romanos 2:29). E, a partir de então, recebermos, um dia após o outro, a identidade que Ele deseja estabelecer em nós (Romanos 8:29).

Viva o seu “oitavo dia” todo dia!

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